sexta-feira, maio 27, 2005

"Clockwork Orange", de Stanley Kubrick

Class.:


“Viddy well, little brother. Viddy well.” (Alex)
Especialmente nos dominantes filmes da sua carreira de meio século, Kubrick teve a propensão para pegar em romances e moldá-los sob o jugo da sua poderosa e esplêndida visão. Ele teve envolvimento oficial em 12 dos seus 16 filmes e por essa mesma razão “2001” não é nomeado como “Arthur C. Clarke's 2001”, mas sim como “Stanley Kubrick's 2001”, assim como “The Shining” deve maior quinhão da sua fama a Kubrick que ao seu autor Stephen King. Similarmente “Clockwork Orange” baseado num romance de Anthony Burgess, adquire o cunho de Kubrick e fica perpetuamente cravado como “Clockwork Orange de Stanley Kubrick”.

“Clockwork Orange” surge após dois dos mais brilhantes filmes de Kubrick (a épica ópera espacial “2001” e a comédia/sátira negra “Dr. Strangelove”). A trilogia das suas Obras-Primas Superiores fica completa com este filme, pois apesar dos seus restantes filmes serem semelhantemente notáveis (“Paths of Glory”, “Spartacus”, “Lolita”, The Shining”, “Full Metal Jacket” ou “Eyes Wide Shut”) nenhum atinge o pico requintado da inspiração de Kubrick.

O filme matiza um futuro próximo, onde as pessoas boas se escondem de noite e gangs de rufias infestam as ruas com actos de puro vandalismo, agressões, violações e infames afins. No centro desta espantosa, intensa, impetuosa, sátira negra está Alex DeLarge (Malcolm MacDowell). Ele vive com os pais algures em Inglaterra e quando sai à noite com o seu quarteto de “droogs”, alegando aos pais que vai para o seu “Night Job”, realiza inúmeros actos de selvajaria, droga-se e volta a casa para concluir a noite com Ludwig Van Beethoven. A sua quadrilha começa a ganhar fissuras e certa noite incriminam-no, resultando na sua captura. É aqui que a sátira começa verdadeiramente. Ele descobre uma experiência governamental que visa reabilitar condenados, e orienta todos os seus esforços para ser eleito como cobaia. É então seleccionado e o método Ludovico consiste em ter os olhos bem arreganhados, bombardeados horas após horas com imagens de sexo e violência, enquanto o seu sistema é bombeado com drogas. O processo busca executar uma lavagem cerebral, eliminando a escolha da violência. No fim da experiência Alex sente repulsa por sexo e violência, no entanto mais tarde quando uma mulher em topless se encaminha para ele, ele vomita e é desta forma libertado como uma espécie de zombie ou como… Clockwork Orange.



Stanley Kubrick foca grande parte da sua obra na desumanização. Ele proferiu várias vezes que a violência é eterna e tal citação/realidade não poderia ser melhor ilustrada do que com este filme. Violência é uma parte integrante da vida e eliminá-la representará o fim de uma pessoa. O filme satiriza tal evidência e a inaptidão dos governos para controlarem de uma forma natural sociedades. “Clockwork Orange” é um dos filmes mais provocadores de sempre. Pode receber diferentes interpretações de diferentes pessoas. Kubrick pinta as suas cenas com uma subtileza ímpar, pincelando a tela com proeminentes doses de beleza, horror, divertimento, inquietude e controvérsia. O genial realizador mostra-nos como a violência é algo que habita o âmago de todo o ser humano, manejando a câmara habilmente, tornando a violência alarmantemente atractiva. Ao despoletar a nossa atracção pela violência ele mostra-nos sorrateiramente como ela habita em nós e como eliminá-la nos tornará menos humanos. É óbvio que ele não pretende atiçar a violência em massas, ele astutamente esmurra o hábito como audiências experimentam cinema. Quem certifica este filme como um apelo e hino à violência revela colossalmente a sua incauta e ingénua mente cinéfila. É certo que o filme é difícil de digerir e assimilar, mas tais entidades ficam-se pela excitação superficial e evitam atingir a profundidade simbólica da obra, condenando de forma simplória a película. Muitos são os que assistiram ao filme sem absorver no final o quadro geral, muitos não atingiram a intensa alegoria patente. O filme ironiza os métodos desumanos que governos utilizam para suster massas e lança-nos uma questão periclitante: A remoção do livre-arbítrio destrói a humanidade basilar de um indivíduo?

Kubrick sempre foi um visionário, esteve sempre um passo à frente dos seus restantes colegas. Em “2001” preconizou preocupações futuras em relação à inteligência artificial, em “The Shining” mostrou-nos que o medo deriva do nosso âmago, em “Eyes Wide Shut” realça como o amor lidado conforme vingança, alcança contornos destrutivos. O estilo de Kubrick é um dos seus pontos fortes e incomparáveis. A atenção que ele deposita em cada detalhe, revela-se no produto final. As expressões ímpares do filme com retoques Shakespeareanos, os cenários impecáveis, a selecção de filmagem e edição calculadas ao mais ínfimo pormenor, sem transições abruptas, e o uso genial da música (com a 9ª Sinfonia de Beethoven e ainda “Singin' In The Rain” utilizadas em momentos chave). O design futurista de John Barry, a música clássica palpitante, e os visuais cativantes de John Alcott, e a interpretação de McDowell (que desempenha o vilão mais carismático e atractivo jamais visto. Aliás o recital de McDowell é de uma sinceridade sinistra, mostrando-se letal, engraçado, horripilante, gracioso) contribuem para cimentar este filme como uma das exímias Obras-Primas de sempre. De referir ainda que o filme recebeu numerosos prémios e nomeações, entre os quais Melhor Filme e Melhor Realizador do New York Film Critics e quatro nomeações da Academia (incluindo Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Argumento).

“Clockwork Orange” ostenta uma mensagem universal. Não é um filme de fácil consumo, mas negá-lo e depreciar a sua importância é de uma leviandade atroz. O filme é um baluarte do cinema moderno. É extraordinário constatar como “Clockwork Orange” com 34 anos (!!!) de existência, continua extremamente moderno. Contrariamente a muitos dos seus contemporâneos, “Clockwork Orange” é um filme que não pode ser datado e os assuntos debatidos são tão urgentes nos dias de hoje como o eram há três décadas. Quantos mais filmes têm este estatuto intemporal?
Obrigado Stanley Kubrick!!

8 Comments:

Blogger Sara said...

Disseste tudo o que havia para ser dito!!

2:24 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Ainda bem que concordas. É uma Obra Imortal!

3:04 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

É um dos meus predilectos de sempre... ainda bem que gostas... revelas bom gosto. ;)

7:16 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Whatever... bacano... Ha Ha...

1:06 da tarde  
Blogger A said...

Olá :)

Não sei se irás ler este comentário, mas... este é um dos meus filmes preferidos de sempre.

Aliás, se puderes...

http://psicologiasdetreta.blogspot.com/2006_06_01_psicologiasdetreta_archive.html

Acho apenas que não devias contar o final do filme/filmes... aguçar o apetite para depois contares como acaba... imperdoável!!!

Beijos (estás linkado)

1:25 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Mas eu não conto como acaba, aliás, sou totalmente anti-spoilers.
O que redigi sobre o filme em si é uma mera sinopse, que poderás encontrar (com outras palavras, mas com o exacto significado) em qualquer crítica ao filme.

De qualquer forma, este filme não fica marcado pelo final... é uma obra que resulta pelo seu todo, pela jornada humana introspectiva que proporciona.

Cumprimentos.

6:29 da tarde  
Blogger Lykah said...

Laranja Mecânica é genial!!! Você é genial!!!!
Saudações

2:55 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Kubrick é Genial! :)

6:03 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home

Site Meter