terça-feira, julho 19, 2005

“Un Long Dimanche de Fiançailles”, de Jean-Pierre Jeunet

Class.:



Durante a Primeira Guerra Mundial muitos soldados suicidavam-se devido ao devastador efeito emocional e físico provocado pela guerra (frio, fome, doenças… todo o horror inerente), enquanto outros se feriam com o intuito de obtenção de um “passaporte” para os hospitais, abandonando desta forma o campo de batalha. Se fosse descoberta tal artimanha por parte dos oficiais, tais soldados seriam condenados à morte. Jeunet abre este admirável filme (baseado no romance de Sebastian Japrisot) de forma sublime, pegando na graciosidade da sua prévia película (“Le Fabuleux Destin d’ Amélie Poulin”) e aplicando-lhe uma mutação reveladora da sua faceta mais obscura. Cinco soldados resolvem optar pela auto-mutilação para conseguirem livrar-se das agruras da guerra, no entanto os seus relatos sobre a origem de tais ferimentos não se revelam credíveis aos ouvidos dos oficiais e consequentemente são desamparados de forma impiedosa numa “no man’s land” à mercê de um tiroteio qualquer que lhes clamará a vida. Com contornos de “Paths Of Glory” de Stanley Kubrick o filme abre majestosamente com esses cinco soldados franceses numa marcha lenta em direcção ao destino que aguardava os soldados acusados de auto-mutilação: a morte.

Mathilde (Audrey Tautou) ainda em criança conheceu um desses malogrados soldados, Manech (Gaspard Ulliel). A caturrice mútua inicial passou a amizade, e depois floresceu o romance. Mathilde fica privada precocemente do seu amado e recusa acreditar na morte de Manech pois não sente o seu falecimento na sua alma. Depois da guerra Mathilde recebe uma missiva que alude à possibilidade de nem todos os cinco terem morrido em combate. Inicia então a difícil busca pelo paradeiro de Manech. Contrata um detective privado e investiga também por conta própria contactando com testemunhas e sobreviventes para juntar as peças fragmentadas do puzzle da verdade.

A forma como Jeunet nos apresenta a guerra e seus efeitos, é francamente sagaz. As imagens de combate levam o seu toque pessoal e até a forma de cinematografar o arremesso de granadas encontra um fascinante método com este fabuloso realizador. O filme leva o espectador a questionar-se sobre quais as razões que levam um homem a pegar numa arma sem a intenção de matar mas para se magoar tão seriamente, correndo o risco de ser abandonado à perdição mais que certa num campo de batalha desconhecido.



Em 1991 juntamente com Marc Caro, Jean-Pierre Jeunet presenteava o universo cinematográfico com “Delicatessen”, e posteriormente em 1995 brindava-nos com o prodigioso “La Cité Des Enfants Perdus”. Tratam-se de duas brilhantes comédias negras, engendradas com um impecável primor. Depois de uma experiência menos conseguida com “Alien: Resurrection”, Jeunet regalava com “Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain”, um brilhante filme que conquistou o coração de inúmeras plateias com a sua cativante doçura. Visionar um filme de Jeunet é uma experiência única e praticamente inigualável no cinema actual. Idílicas, expressionistas e sonhadoras, suas imagens são como pinturas repletas de extasiantes cores e paisagens hiper-realistas. O cinematógrafo Bruno Delbonnel dá vida à câmara com imagens onde sentimos uma certa anti-gravidade, capturando imagens onde somos arrebatados bem alto e nos sentimos a flutuar num firmamento encantador. Concluindo, posso declarar que este é um dos melhores filmes do ano cinematográfico em Portugal. O filme é tão arrebatador que todas estas palavras não lhe fazem qualquer jus. O filme emana uma vitalidade e charme colossais. Isto é realização de mestre, atestada por uma inesgotável e talentosa genialidade onde cada plano é uma obra-prima. Jeunet é um realizador visionário, alguém que nos conta de uma forma ímpar e apaixonada uma épica história de amor, cheia de surpresas que não representam apenas meros twists, mas imagens e momentos jamais visionados e inesquecíveis. O filme é uma experiência visual deslumbrante, onde uma série de deleitosos momentos se sucedem um após o outro para nos inebriarem deliciosamente.

20 Comments:

Blogger gonn1000 said...

O filme é simpático, mas fica-se por aí. Achei demasiado "bonitinho" e um pouco monótono...2,5/5

11:45 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Opiniões...
Bem sei que preferias o teu bonitinho "Spanglish"... :P

Qt a mim, o filme está longe de ser monótono graças à deslumbrante técnica de Jeunet. É um retrato em movimento de fatalidade, esperança, determinação e amor. Jeunet criou uma obra repleta de vitalidade e portadora de um charme incandescente.

12:13 da tarde  
Blogger brain-mixer said...

Sempre é preferível o Jeunet que o seu compatriota Luc Besson, entretanto enraizado na cultura Hollywoodiana. Este último desilude-me ano após ano...

12:44 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Concordo contigo.
Adoro os filmes iniciais de Besson, mas ultimamente anda bem fraquinho. Talvez a sua completa atenção ande focada na Cidade do Cinema em Paris.
Jeunet é o meu cineasta francês preferido actualmente.

12:58 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ainda não vi este filme embora tenha muita curiosidade em vê-lo. A dupla actriz/ realizador funcionou perfeitamente no Fabuloso Destino de Amélie e o resultado foi aquilo que é, para mim, um dos melhores filmes de sempre. Adoro a maneira como Jeunet conta a história da Amélie. Não sei se é o meu cineasta francês preferido (há o Rivette) mas é, sem dúvida, um dos melhores.

1:04 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Jeunet é um talentoso e singular contador de histórias.

1:08 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Força nisso!

2:00 da tarde  
Blogger kimikkal said...

Nota-se bem a marca de Jeunet no filme. A sua preocupação estética faz lembrar em certas alturas Tim Burton.

E Audrey Tatou faz o resto!(Confesso, sou fã da menina!)

:)

Se Audrey alguma vez passar para os USA, gostaria que participasse num filme de Tim Burton...

6:52 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ainda não vi, mas estou interessado :).

Cumps. cinéfilos

7:28 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

kimikkal: excelente observação e comparação. Além da estética primorada, o humor negro encontra-se sempre presente nas obras dos dois fabulosos autores.

s0lo: vê! :)

7:52 da tarde  
Blogger Carlos M. Reis said...

Carta aberta ao meu caro colega Katateh (aka Francisco Mendes)

Venho por este meio expressar o meu profundo desagrado pela ofensa fácil a um dos maiores mestres do cinema mundial, de nome, Luc Besson, e realizador e autor do filme da minha vida, "Le Grand Bleu".

Tenciono, desta forma, equacionar de imediato, futuras visitas ao seu local de publicação cinematográfica.

Com os meus melhores cumprimentos,
Matateh (aka Knoxville).


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LOL, claro que estou a brincar, mas fico chateado, concerteza que fico chateado!

Um abraço!

10:40 da tarde  
Blogger Gustavo H.R. said...

Excelente crítica, francisco. Não resta dúvidas de que esse seja um bom filme. Adoraria ter conferido esse filme de Jeunet nas telas de cinema, mas não foi possível. O esplendor das fotos e do trailer me cativou. Aguardo-o em DVD.

3:08 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Knoxville: não me interpretes mal. ADORO os filmes iniciais de Besson: "Subway", "Léon" e o excelente "Le Grand Bleu". Mas o que ele fez em 1999 com "The Messenger: The Story of Joan of Arc" não é dele!

Grande abraço Knox!

Gustavo: Ou muito me engano, ou este filme constará na minha lista top10 de 2005. Adorei!

Cumprimentos.

8:55 da manhã  
Blogger brain-mixer said...

Eu comecei aqui a crítica a Luc Besson e disse que me estava a desiludir cada vez mais. Ora, o LEON, fiquem sabendo é um dos melhores filmes que eu vi na minha vida... E mesmo o Grand Bleu também é um clássico, mas desde que o $$ lhe subiu à cabeça como produtor, que o cinema como forma de arte e conceito emocional lhe está a ficar a milhas.

2:50 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

O filme "The Messenger: The Story of Joan of Arc" desiludiu-me muito, mas estou curioso relativamente ao ambicioso projecto da Cidade do Cinema em Paris.

2:54 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Como sempre no Jeunet, a atenção aos pormenores impressiona. A recriação perfeita dos ambientes também. A maneira como nos transporta para os horrores das tricheiras ou para a confusão dos mercados de Paris revela uma mestria técnica que o coloca muito, muito acima de média.

1:17 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

É um perfeccionista.

3:19 da tarde  
Blogger MPB said...

Acabei de ler o livro a dois dias, e agora espero brevemente ver o filme.

Não acho que seja fácil adaptar tal livro, tem imensos dialogos interiores e longos.
MAs pelo que vi do trailer o ambiente está deslumbrante, até porque em termos de caracterização de lugares e ambiente o livro não é muito preciso, assim JENEUT pode colocar a sua mente a trabalhar.

Gostei do livro, e quase de certeza que vou gostar do filme.

Cumprimentos

3:41 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Acredita a visão de Jeunet é fabulosa. Relembro agora a forma como ele filmou uma seara... bem... inenarrável. Muito, muito bom!

7:58 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

É mágico.

7:25 da tarde  

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