segunda-feira, julho 11, 2005

"War Of The Worlds", de Steven Spielberg

Class.:

Magistral tensão, déjà vus e Valium.

Em 1898, H. G. Wells apresentava a sua obra prima literária: “War of the Worlds”. Após o lançamento do livro, multiplicaram a sua obra através de séries em formato magazine, uma telenovela, uma peça de rádio em 1938, um filme realizado por Byron Haskin em 1953, e até numa peça musical em 1978. Spielberg recupera (novamente) a massiva invasão alienígena num pop-corn movie apocalíptico… pouco mais.

Spielberg foca a sua visão numa família desarticulada. O divorciado Ray Ferrier (Tom Cruise) encarregue pelos filhos Robbie (Justin Chatwin) e Rachel (Dakota Fanning) por um fim-de-semana, pensa arduamente em coisas divertidas para os entreter, apesar de não ser um pai exemplar. No entanto, algo imprevisível sucede: intrusos alienígenas surgem para aniquilar despoticamente o planeta. Enquanto a ameaça extra-terrestre desfere um ataque de destruição massiva, Ray tenta proteger os seus filhos numa angustiante luta pela sobrevivência.

Tom Cruise executa uma excelente transformação de homem egocêntrico em pai abnegado. A inesgotável energia que continua a exibir após tantos filmes, demonstra o seu amor pela arte de representar. No entanto há uma altura no filme em que os “Beach Boys” perguntar-se-ão por onde andam os raios de desintegração quando são precisos. Tim Robbins (Harlan Ogilvy) tem uma curta intervenção no filme, mas evidencia o seu formidável talento numa profunda e obscura participação. O jovem Justin Chatwin protagoniza uma personagem desinteressante. Dakota Fanning é claramente uma miúda com uma maturidade impressionante e possuidora de um enorme potencial. Em “War of the Worlds” trataram de torná-la irritante e apesar de saber que Cruise não iria gostar, sou da opinião que Fanning deveria ter sido administrada com Valium.

O argumento de David Koepp (“Jurassic Park”, “Panic Room”, “Spiderman”) e Josh Friedman (que escreveu o argumento para o novo filme de Brian de Palma “Black Dahlia”) exibe um minimalista e previsível desenvolvimento de personagens. Além disso, parece que o par de escritores andou divertido com brinquedos da equipa de efeitos especiais ILM, pois o argumento apresenta consideráveis crateras. Apesar de tudo, mantêm o foco bem pessoal e não descambam em monólogos irreais sobre o background das personagens, enquanto elas lutam pela sobrevivência (apesar de existir um par de cenas absurdas e até risíveis com Fanning).
Spielberg revela na primeira metade de filme, o seu ínfimo talento na composição de cenas e planos, analisando relações familiares e construindo um negrume que subjuga lentamente o público num terror escalado. A obra tem curtos momentos de puro brilhantismo e nos primeiros 40 minutos Spielberg constrói uma magistral tensão. Depois chegam os invasores e o visual extasiante apodera-se da obra. Os efeitos a cargo da ILM (Industrial Light & Magic) estão soberbos. Se conseguirem retirar os olhos da tela nas sequências de acção, observem os queixos de parte da assistência roçando o chão. O design dos Tripods, os raios de destruição, as perseguições estonteantes, tudo alcançado com requintado primor. Porém uma determinada revelação funciona como autêntico momento anti-climax (relembrando a categoria e excelência de Stanley Kubrick ao manter algo oculto em “2001: A Space Odyssey”). Janusz Kaminsky mantém a sua elevada bitola, com uma fotografia milimétrica e intimista e a composição sonora de John Williams é subtil e ambiental. Quanto aos efeitos sonoros… bem… INCRÍVEL!! O buzz dos raios-laser envolvendo e oprimindo a sala de cinema resulta numa experiência de Cinema assombrosa.



Depois do retrato afável traçado aos alienígenas, com sons e luzes deslumbrantes em “Close Encounters of the Third Kind” e com a amizade inter-galáctica de “E.T. – The Extra-Terrestrial”, Spielberg almeja submergir a audiência no caos e claustrofobia resultante de uma invasão extra-terrestre hostil. A impiedade dos aliens é bem alcançada pelo brilhante cineasta.

Todavia “War Of The Worlds” não é um filme imaculado. O filme não inova, aliás claudica em sequências que soam a repetitivas e oriundas de outras obras do género. Não domina o género, nem o transcende. As cenas de pânico e histeria em massa são convincentes, mas não acrescentam nada de novo. A invasão é inicialmente suspeitada como acto terrorista e as alusões ao 11 de Setembro surgem em catadupa: os sobreviventes cobertos de pó, a parede com fotografias dos desaparecidos. A abordagem peca por ser superficial.

Mas as sensações de déjà vu continuam: A arrepiante cena da casa de campo presente no filme de 1953 sofre um update. O conceito de invasão filtrada pelos olhos de uma família, já foi utilizado no filme “Signs” de M. Night Shyamalan. No entanto o fã de Spielberg (irónico, não?) exibiu domínio no storytelling e ressonância moral. “War Of The Worlds” contém ainda múltiplas referências a outras obras do género, sendo as mais evidentes: o fraquinho "Day of the Triffids" (1962) e o genial “The Day the Earth Stood Still” (1951). Propositado ou não, certo é a ausência de originalidade.

Espero que Spielberg não ande parco de ideias, mas ecos das suas anteriores obras estão espalhados pelo filme, realçando o cariz repetitivo de “War Of The Worlds”: a luta da família fraccionada de “The Sugarland Express”, a histeria em massas de “Jaws”, a desconexão pessoal de “Empire of the Sun”, a repentina chacina de “Saving Private Ryan”, o genocídio e as cinzas dos corpos queimados de “Schindler’s List”, e uma fenomenal cena envolvendo reflexos em “Jurassic Park” sofre um remake.

Acredito na magia do livro (genial no desenvolvimento, ténue na conclusão) e principalmente na peça de rádio (geradora de pânico) perpetuada por Orson Welles, pois dependiam da imaginação dos leitores e ouvintes. Acredito no impacto do filme de 1953, até porque as expectativas a nível de efeitos especiais eram escassas. No entanto, actualmente a história encontra-se desactualizada e Spielberg teve um esforço herculeano para adaptá-la à nossa época. O resultado é um filme que não oferece qualquer novidade ao género e detém um fraco, estéril e banal argumento adaptado, mas graças ao virtuosismo de um majestoso cineasta (dos melhores de sempre) a película brinda plateias com um ensaio cinematográfico que funciona como puro veículo de entretenimento. “War Of The Worlds” é uma proeza técnica, mas no cômputo geral está longe de ser um filme do outro mundo.

25 Comments:

Blogger Hitler said...

Concordo plenamente contigo. Ao filme parece que falta qualquer coisa. Continuo a achar que ele se desviou bastante da obra e perderaam-se peças importantes. Mas o filme também não é mau. E como já disse anteriormente, ainda bem que não arranjaste referências em todas as cenas a filmes como Titanic, Reservoir Dogs, Gone with the Wind e Toy Story, tem muito mais lógica referências a filmes do próprio Spielberg.

10:32 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Ana: Sim, o filme não é nada mau, mas falta-lhe profundidade.
Custa muito ver duas das pessoas mais poderosas de Hollywood (Spielberg e Cruise) não criarem algo superior, quando têm ao seu dispor mecanismos que muitos cineastas apenas contemplam em sonhos.
Custa muito verificar esta forma de comodidade... E dói muito a quem adora o trabalho de Spielberg, como eu.

André: Vê lá se te manténs calmo.

10:59 da manhã  
Blogger Hitler said...

Tens razão Francisco, penso que se apressaram tanto a fazer o filme, para que ambos pudessem voltar aos seus projectos anteriores que não se preocuparam muito com os espectadores. Mas é daqueles filmes que ficamos a pensar, mas já acabou?, Não falta qualquer coisa?
E há muita gente que não percebe o final do filme, o que é estranho, mas é verdade.

11:21 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Não conseguiu igualar as minhas expectativas e até me desiludiu um pouco...análise em breve no meu blog.

Cumps. cinéfilos

11:53 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Ana: Sem dúvida.
É também daqueles filmes que a partir do momento em que saimos da sala e pensamos no filme, ele começa a decrescer na nossa avaliação.

Para quem ama a obra de H.G. Wells, acredito que muitos acusarão Spielberg de a deturpar nos momentos basilares.
Custa muito admitir, mas Spielberg não enobreceu a Obra-Prima de Wells.

s0lo: Também me senti muito desiludido, apesar de não o considerar um filme mau.
()

11:58 da manhã  
Blogger gonn1000 said...

Não é uma obra-prima, mas gostei bastante (pena o final apressado e as personagens algo fracas).

12:29 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Renato: Para mim "Jaws" é obra mais pura e fresca de Spielberg. Do seu extenso rol de grandiosas obras ("Close Encounters...", "E.T.", "Raiders of the Lost Arc", "Schindler's List"), este "War of the Worlds" é uma fraca amálgama de ideias já exploradas nas suas prévias obras.

Gonn1000: O filme não é mau, mas tb não é excelente. É bom entretenimento, mas extremamente superficial e banal a espaços.

1:01 da tarde  
Blogger Pedro Serra said...

Concordo com a crítica. "Sinais" continua a ser o melhor filme do género "família no meio de uma invasão alienígena". No entanto, as suas limitações não impedem "Guerra dos Mundos" de ser um grande espectáculo.

1:59 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Sem dúvida. A nível técnico o filme é soberbo. Os efeitos sonoros são dos melhores que experimentei numa sala.

2:12 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Já analisei no meu blog :). Passa por lá.

Cumps. cinéfilos

10:29 da tarde  
Blogger Mussolini said...

Concordo quando apontas falhas no argumento, resultantes em falta de profundidade no filme. Apesar de ser um estonteante espectáculo audiovisual, dei-me comigo a questionar no final. 'Já acabou?!'

Great review Mr. Francis, well done.

12:53 da manhã  
Blogger Mussolini said...

Errata: I meant 'dei comigo', instead of 'dei-me comigo', wich is a bit redundant...

12:55 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

s0lo: Lá estarei. ()

Pedro: Oklidokli... :D Not a problem.
Thanks Peter!

8:24 da manhã  
Blogger brain-mixer said...

Concordo com os efeitos sonoros, são estrondosos! Então aquela sirene dos tripods é de arrepiar. Mas quando falas em falta de originalidade, de puro veículo de entertenimento, etc. Este filme trata-se de isso mesmo: entertenimento! É um filme de Spielberg, não de Bergman. E ele decidiu adaptar uma obra literária, logo os espectadores estavam avisados de que não iriam mudar muito na história. ou estavas à espera de ET's de saias e naves que cagavam chocolates pelo cú? eh eh!

8:25 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Brain-Mixer, não leste a crítica? :)
Eu digo claramente que o filme é puro entretenimento. O filme vale bem o dinheiro que o público gasta no bilhete pois é bom a nível de diversão.

No entanto, não transcende o género, nem apresenta nada de novo. O cariz repititivo do filme está bem patente e isso desilude sobremaneira. Aparenta cansaço e refugia-se em panóplias técnicas avassaladoras.

8:35 da tarde  
Blogger David Santos said...

muito bom. esperemos pela versão de dvd que tem 150 minutos. É o regresso de Spielberg à ficção cientifica. Parece que tava toda a gente estava à espera de algo transcendente por ser de quem é, mas o que posso dizer é que tomara muitos bons realizadores chegarem aos calcanheres de cenas como a inicial deste filme, a da carrinha, a do barco, a da cave e manter a atenção do espectador até ao final do filme. 8/10

2:58 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

É claro que o filme era aguardado por muita gente por ser de quem é (Spielberg deu/dá muito à 7ª Arte).

É claro que muitos esperavam algo de transcendente pois Spielberg tem ao seu dispor mecanismos que muitos cineastas apenas contemplam em sonhos.

Não contava era com tanto cliché do género. Um poderoso filme de ficção científica transcende o género ("Blade Runner", "2001", "Alien", "Donnie Darko"), mas este é "apenas" bom entretenimento oferecido por um brilhante cineasta que aparenta cansaço e escassez de ideias novas (repete-se muito ultimamente).

4:08 da tarde  
Blogger David Santos said...

hmmmmmm.....
estranho não me parece que o Spielberg se repita muitas vezes, até pelos diferentes temas e generos que aborda. Principalmente nos ultimos anos até tem sido uma surpresa.
Spielberg é capaz de ser o realizador mais dificil de catalogar. Não é um realizador de dramas, de filmes de ficção cientifica, filmes de aventuras, filmes historicos, de terror, de infantis.
Não se repete muito e até tem mostrado grande versatilidade como é o caso do Apanha-me se me puderes (nunca ninguem estaria a espera de um filme daqueles vindo do Spielberg), O Minority Report é um fusão de vários generos, ficção, policial, thriller etc...
Portanto acho que Spielberg está sempre em constante mutação. O que não está é qualidade do seu cinema.
Um Abraço

5:48 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Repete-se imenso neste "War of The Worlds", utiliza diversos elementos que já constavam das suas prévias películas, inquestionavelmente.
E o drama familiar repete-se filme após filme, inquestionavelmente.

Mas o seu talento é evidente (mesmo nos seus filmes menos bons) obra após obra, inquestionavelmente.

Abraço David.

7:19 da tarde  
Blogger David Santos said...

ok...
mas isso não deixa de ser interessante, a situação da repetição de certos elementos.
Ainda na outro dia numa outra arte em que tento vencer, a musica, tive a falar com a minha namorada sobre a questão da repetição e de dizer coisas do genero: "epá são sempre iguais, não fazem nada de novo".
Também não será a "repetição" que conserva e que dá a identidade e a coesão de uma obra.
Isto é, se ouvirmos determinado som ou vermos determinado filme topamos logo: "Ah isto é de certeza dos....ou do..."

10:31 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Completamente de acordo no que toca à imagem de marca, no entanto existem inúmeros filmes deste género cinematográfico bem acima deste "War of The Worlds", alguns inclusivé transcendem o género.

O drama familiar é a assinatura de Spielberg. O que lamento (imenso) no filme é a utilização de elementos já utilizados pelo próprio, referências do género (e de outros géneros) e remakes de certas cenas.

Um autor poderá ter uma imagem de marca, mas também deverá inovar.
"War of the Worlds" foi um momento menos conseguido de Spielberg.

11:20 da manhã  
Blogger David Santos said...

ok :)
gostei do dialogo
até ao proximo filme :P

9:30 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Hasta! :P

8:57 da manhã  
Blogger JHB said...

Não gostei deste filme, e na maior parte dos seus filmes Spielberg não me excita muito. Tom Cruise é um dos meu ódios de estimação e raramente o vejo fazer boas actuações (leva-me a preferir o Abre los Ojos de Amenabar, a Vanilla Sky),e realmente a Abigail Breslin dá baile a Dakota Fanning. A minha classificação é 1*.

8:18 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Prefiro o Spielberg, dos bons/velhos tempos.

9:18 da manhã  

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