quinta-feira, agosto 18, 2005

“Cinderella Man”, de Ron Howard

Class.:



Lutar por... leite

Será que ultimamente não se consegue inventar um título decente para um filme sobre boxe? Até “Million Dollar Baby” soa melhor. Enfim…
Sinceramente, já fui suficientemente sovado e esmurrado com histórias do mesmo género. O padrão já foi usado e abusado: o oponente maléfico, a esposa fiel mas em constante desaprovação e o protagonista triunfando sobre adversidades, inspirando os próximos. Em “Cinderella Man” temos o boxe como pano de fundo e apesar de não ser um realizador fabuloso, Ron Howard também não é medíocre. Apesar de familiar, o trabalho de Howard é subtil e executado com brilhante eficácia.

Baseado em factos verídicos, o filme inicia em 1928, quando James J. Braddock (Russell Crowe), um promissor boxeur de New Jersey apelidado de “Bulldog of Bergen”, conquista alguma fama com a ajuda do seu manager Joe Gould (Paul Giamatti). A vida corre-lhe bem e a sua família não passa dificuldades graças aos dólares conquistados vitória após vitória. Todavia, Braddock sofre várias fracturas na mão direita e o mundo à sua volta começa a desabar: a sua licença de boxe é revogada e a América resvala na Grande Depressão.
Braddock, a sua esposa Mae (Renée Zellweger) e os seus três jovens filhos (assim como milhões de pessoas), vêem-se subitamente imersos numa profunda crise, com escassas possibilidades de sobrevivência. No entanto a determinação do “Bulldog of Bergen”, adjuvada pelo seu amor e honra conduzi-lo-ão à realização de um sonho. É uma história que explora o heroísmo, a fidelidade familiar e a pujança do espírito humano.

Ron Howard acredita na América e nos seus valores familiares, como atesta nos seus prévios filmes: “A Beautiful Mind”, “Far and Away” e até em “How the Grinch Stole Christmas”.
“Cinderella Man” é um retrato de esperança numa época de angústia e aí o filme detém o seu maior poder (juntamente com as interpretações), ou seja, o filme apreende de forma convincente o desespero, o sentimento de impotência e pavor da era da Grande Depressão americana.
O ambiente que rodeia os ringues é claustrofóbico e as cenas de luta são brutais, mas não transcendem o que já foi feito no passado. Acima de tudo, Howard foca a atenção no drama humano, almejando o coração da audiência.



Uma das qualidades de Howard é revelada na sua excepcional manipulação de magníficos actores. Ele chegou a comparar a interacção com Crowe a uma tempestade tropical, porque nunca se sabe qual o feitio que o actor ostentará no dia das filmagens. Todavia, as interpretações em geral e Russell Crowe em particular representam um dos pontos altos do filme.
Russell Crowe capturou a essência de Braddock, entregando-se de corpo e alma para assimilar a personagem (deslocando inclusive um ombro nos treinos, atrasando as filmagens dois meses). Nas cenas de luta quase sentimos a dor da sua personagem. A determinação silenciosa projectada através de uma imagem contundida retrata Braddock como um homem simples, emocionalmente complexo e tacteando as raízes do desespero, mas admiravelmente bondoso. Crowe detém a inata habilidade para arrecadar um papel referente a um determinado período histórico e fá-lo parecer contemporâneo: seja como Gladiador numa Roma Antiga, ou como matemático brilhante e esquizofrénico na década de 50. O Oscarizado Russell Crowe é novamente “Master and Commander” carregando uma película nos seus ombros e o seu portentoso talento é novamente asseverado. Paul Giamatti, apesar de não ser tão memorável como Mickey (personagem desempenhada por Burgess Meredith em “Rocky”), representa com brilhante eficácia o manager de Braddock, injectando boas doses de honestidade. É um actor fascinante e fabuloso. Craig Bierko (Max Baer) revela-se versátil e traça um retrato assustador do adulterado vilão de serviço. Existe uma ténue percepção de vulnerabilidade na sua representação. Para contrastar as brilhantes representações, Renée Zellweger continua a não conquistar a minha simpatia, representando os estereotipados resmungos de esposa e funcionando neste filme como uma extenuante réplica da amada de Rocky: Adrian Balboa.
Sublime é a simbologia do leite. O leite é um alimento e como importante fonte de cálcio, é fundamental para o fortalecimento da estrutura óssea e até dentária. Num plano figurativo e profundo, Braddock funcionou como alimento e fortificação para o debilitado espírito de uma fracção americana.

“Cinderella Man” é o “Seabiscuit” deste ano, onde as pistas de corrida de cavalos são substituídas por ringues. As semelhanças são claras: a Grande Depressão, a “ressurreição” na carreira após lesão, homens desanimados que carecem por uma centelha de esperança para recuperarem. Reconheço que o conto de fadas (fazendo jus ao título) poderá emocionar e abranger imensos espectadores, mas “Cinderella Man” não estampa uma marca perpétua e atinge todos os clichés do género («Yo Adrian!» diz-vos algo?).
As cenas de luta não apresentam novidades, não superam a opulência de “Raging Bull” de Scorcese (o melhor filme do género e um dos melhores filmes de sempre), nem a fatalidade de “Million Dollar Baby” de Eastwood.

Outra das debilidades do filme é a evidente disparidade de algumas personagens quando comparadas a Braddock. Para fortificar a modelar aura bondosa de Braddock, certas personagens que o rodeiam são denegridas e o boxeur Baer é transformado num vilão demoníaco, deturpando um pouco a realidade dos factos. Tudo em honra da descarada manipulação de emoções.

François Truffaut dizia que o cinema é feito para o público e não para os críticos. Nesse sentido apesar do filme não inovar, ser óbvio e nitidamente manipulador, o aprazível protagonista e a comovente história desarmarão muitos espectadores. Pessoalmente adoro divagar sobre o que visiono e como tal não concordo com a afirmação de Truffaut. O filme triunfa no retrato da época de declínio e principalmente na notável representação do colossal Russell Crowe (bem secundado por Giamatti), mas fica longe de carimbar uma marca indelével. “Cinderella Man” desfere alguns bons socos, mas nem com 144 minutos de rounds consegue alcançar um K.O..

18 Comments:

Blogger gonn1000 said...

Tendo em conta o realizador e mesmo a premissa, não espero mais do que um filme mediano...

11:48 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

É na realidade um filme mediano, mas bem melhor que "Fantastic Four"... :P

11:57 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

hummm, tb com um título desses??? é caso para pensar duas vezes! Cinderalla Man --- Blargh! Já agora qual foi o título escolhido em português???

2:30 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

:) Em português levou o mesmo título.

2:42 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Não admiro Ron Howard. Não tenho curiosidade acerca deste filme. Parece-me pretencioso.
Abraço!

6:52 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Acho que qualquer coisa é melhor que o "Fantastic Four" não? :)
Boa análise, mas mesmo assim ainda sou capaz de o ir ver em breve!
Um abraço.

11:38 da tarde  
Blogger not_alone said...

Que grande crítica. Muito bem escrito e espelha na exactidão a minha opinião sobre o filme. Russel Crowe, com quem eu não simpatizo particularmente, conseguiu deixar-me rendido à sua prestação, mas tudo o resto não passou de 'seen that, been there' ;)

12:19 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Miguel: De facto é um pouco pretensioso...

André Carita: O filme merece ser visto. Aquilo de "Fantastic Four" foi para gracejar com o gonn1000 :D

not_alone: Exactamente. Russell Crowe é fabuloso na forma como escava uma personagem. Genial... mas não é o seu melhor papel.

8:27 da manhã  
Blogger Isabel said...

"É na realidade um filme mediano, mas bem melhor que "Fantastic Four"... :P"

Não sei, os filmes de Ron Howard que vi são piores do que "Fantastic Four" :P

12:02 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Numa coisa tens razão, os filmes do Howard não são transcendentais, mas piores que "Fantastic Four"... LOL

Creio que é tudo uma questão de refinares os teus gostos :P

2:16 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Sô Francisco, o senhor é que necessita de refinar os seus gostos visto considerar o Million Dollar Baby num patamar superior ao Cinderella Man. (/me é esbofeteada)
O Cinderella Man supera em T-U-D-O o Million Dollar Baby, a começar no título (não estou a dizer que sejam títulos formidáveis,mas mal por mal, mais vale o Cinderella Man) e a acabar na moral.
AhHhAHhahA
Fica Bem :|

6:13 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

LOL

Oh Ninfa... que tamanho sacrilégio acerca de "Million Dollar Baby"! Disseca bem os filmes e rapidamente modificarás as tuas palavras. Eastwood filma o mal como poucos e terei de tentar apresentar-te todo o esplendor deste veterano cineasta.

Em nome do "Pasmos Filtrados" perdoo-te tamanha injúria e blasfémia... afinal de contas... és a minha Sereia... :|

:)*

6:29 da tarde  
Blogger brain-mixer said...

Ron Howard não passa de um Hiper-realista lamechas!

12:03 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Ele não é péssimo, mas realmente não excede a mediania.

12:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Já vi 5 estrelas, já vi 3, já vi 2...lol. Vou esperar para ver!

Cumps. cinéfilos

5:14 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

A ver... pouco ou nada mais.

5:57 da tarde  
Blogger JHB said...

Antes de mais quero dizer que gosto do título. Ron Howard nunca será um realizador a ser recordado daqui a alguns anos, nunca será responsável por cinema de autor, mas é um realizador que na minha opinião é bom para o cinema como entretenimneto, pois o que faz é essencialmente servir a história e o argumento, sendo-lhe fiel e passando-a ao espectador tal e qual ele está no papel. Foi por isso que fiquei agradado com a sua escolha para realizar o Código DaVinci.
Quanto a este filme, concordo que é apenas mais um, e que não acrescenta nada de novo. Só não posso concordar com o segundo lugar que entregas a Paul Giamatti, pois foi quem mais me ligou ao filme e foi para mim o desempenho mais conseguido, sem desvalorizar, como é óbvio Russel Crowe.

8:02 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

São dois actores formidáveis.

9:17 da manhã  

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