sábado, agosto 27, 2005

“Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb”, de Stanley Kubrick

Class.:




“Gentlemen, you can't fight in here! This is the War Room.”
(Presidente Merkin Muffley)


Apenas Stanley Kubrick poderia realizar um filme (em 1964) sobre uma possível Terceira Guerra Mundial, e torná-lo num dos mais hilariantes filmes alguma vez feito. “Dr Strangelove…” não é só delirantemente engraçado, como a sua subliminar mensagem anti-guerra demonstra a faceta sagaz do realizador. Nem por uma fracção de nanosegundos o filme deixa de ser perfeito, graças ao imprevisível e acutilante génio de Kubrick.

Mas comecemos pela sinopse: O General Jack Ripper (clara alusão a Jack, o Estripador), completamente ensandecido, planeia bombardear e destruir a USSR, pois suspeita que os comunistas planeiam poluir os “preciosos fluidos corporais” dos americanos, através da fluoretação das águas americanas. O presidente americano reúne-se com os seus conselheiros e o embaixador soviético avisa-o que se a USSR for atingida por armas nucleares, o inteiro planeta será aniquilado. O actor Peter Sellers interpreta 3 personagens (não representa 4, porque partiu a perna!) que deverão impedir esta tragédia: o Capitão Britânico Lionel Mandrake, o único com acesso ao demente General Ripper; o presidente americano Merkin Muffley e o génio nazi Dr. Strangelove. Será o bombardeamento detido a tempo, ou será que o General Ripper irá ter sucesso destruindo o mundo?

“Dr. Strangelove…” iniciou como um projecto sóbrio, graças ao romance sério de Peter George sobre os perigos de um ataque nuclear, mas gradualmente foi moldado e adquiriu o cunho de Kubrick. O cineasta elabora um filme irreverente e astuto, com um argumento engenhoso repleto de diálogos envolventes e hilariantes; meticulosos planos e cenários; memoráveis cenas (a “cavalgada” do Major King Kong, desempenhado por Slim Pickens, é uma das melhores de sempre da Sétima Arte); uma fotografia a preto e branco que salienta os fatais paradoxos políticos graças inclusive a uma dramática iluminação; uma utilização superiormente irónica de músicas, tais como "Try a Little Tenderness" e um fenomenal elenco (Peter Sellers em múltiplos papéis, George C. Scott, Sterling Hayden, Slim Pickens, Keenan Wynn e o jovem James Earl Jones).



O resultado final é um clássico de humor, suspense e… aviso. O filme poderá ser visionado como uma comédia negra ou como um drama, pois Kubrick utiliza a farsa para criar uma profunda mensagem para o espectador. O duelo entre um filme verdadeiramente cómico e um filme com um recado significativo é uma batalha dura, mas “Dr Strangelove…” é um triunfo no género catalogado como sátira. Até no nome das personagens: Turgidson, Kong, Mandrake, Jack Ripper, Kissoff, Bat Guano, Faceman, Muffley, Sadesky e até o inefável Dr. Strangelove.

O génio de Kubrick neste filme é fazer-nos rir do medo. Ele consegue desencadear gargalhadas enquanto reconhecemos a observação inteligente camuflada no humor. O engenho de Kubrick é tão avassalador que os alvos do seu sarcasmo são vários dentro do mesmo filme. Kubrick oculta as suas repreensões e diversões de forma tão sublime, que a descoberta das mesmas eleva incomensuravelmente o fascínio pelo fenomenal autor.

“Dr. Strangelove…” é uma imaculada cristalização das ansiedades e do clima absurdo dos anos da Guerra-Fria, cujo espelho da década de 60 reflecte a realidade actual. Será que a dissecação do filme acerca dos métodos burocráticos e sombrios de duplo discurso utilizados em prol da agressão, têm incidência nos dias de hoje? Basta ligarmos a televisão num qualquer canal noticiário!



A relação Homem-Máquina é explorada por Kubrick. Em “2001: A Space Odyssey”, Kubrick mostra o Homem à mercê das máquinas, mas nesta sátira à Guerra-Fria ele evidencia as máquinas à mercê do Homem.

A sátira contém diversas metáforas de desporto e possui igualmente um significado sexual. O gracejo do realizador é tal, que a guerra chega a simbolizar… sexo. Desde a cena inicial onde é exibido um excêntrico copular entre duas aeronaves (um bombardeiro B-52 e um avião-cisterna KC-135), até ao cintilar dos olhos quando a relação macho-fêmea é visada como primordial na sobrevivência da raça humana nos bunkers. O General Ripper pretende lançar as bombas, temendo a poluição dos seus "fluidos corporais", pois uma possível fluoretação das águas poderia causar impotência e até Turgidson recebe esse nome graças à sua exaltada libido.



O brilhantismo de Kubrick é tremendo: o minucioso trabalho da câmara, os símbolos disfarçados, a excelsa forma como os seus filmes prestam várias leituras através de temáticas subliminares destinadas a driblar as limitações estabelecidas pelo Código Hays de censura (documento que limitava a apresentação de sexo e violência nas telas de cinema e que foi abolido 4 anos após o lançamento de “Dr. Strangelove…”).

“Dr. Strangelove…” já foi visto, revisto, dissecado e devidamente iconizado. Considero-o a melhor sátira de sempre e um dos melhores filmes jamais concebidos. O filme foi lançado na época da paranóia generalizada da Guerra-Fria e da ameaça nuclear aquando da “Crise dos Mísseis Cubanos”. O que é mais assustador no filme é a capacidade para nos fazer rir (copiosamente), apesar de demonstrar como um holocausto nuclear poderá ser desencadeado graças a fissuras governamentais e equívocos diplomáticos. Como é que este filme não atiçou o pânico numa Era periclitante? Porque Kubrick executou esta Obra-Prima com uma magnificência espantosa. Não sinto um estranho amor por este filme, sinto um tremendo amor contemplativo.

12 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Francisco, venho pedir-te uma opinião. Já me disseram que este "Dr. Strangelove" não é a melhor forma de começar a descobrir Kubrick, mas para bem ou para mal, é ao que tenho mais facilidade de acesso. Na tua opinião, "Dr. Strangelove" não é recomendável para começar a descobrir Kubrick?
Abraço!

11:17 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Não sou apologista da existência de filmes-tipo para iniciarmos a descoberta de um brilhante realizador.
Sabes qual foi o primeiro filme que vi do Kubrick: "2001: A Space Odyssey". Como deves imaginar, fiquei "abananado"... e a película revolucionou a minha concepção de Cinema.
A quantidade de simbologia que ele oculta é tão grande que darás por ti questionando-te sobre a profundidade das anteriores obras que já visionaste, provenientes de outros realizadores.

Queres a minha sincera opinião? Se a única obra à qual tens acesso facilitado é "Dr. Strangelove"... vê-o imediatamente!! Não percas tempo, pois estás a perder o Trabalho do melhor Realizador de Sempre! Se demorares muito a ter um novo acesso ao trabalho de Kubrick ("Clockwork Orange", "2001", "Paths of Glory", "The Shining", "Barry Lyndon", "Full Metal Jacket", "Lolita", "Spartacus", etc) disseca bem este filme e verificarás o quão profundo este tremendo autor consegue ir.

Abraço!

11:55 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Este filme é simplesmente genial, tudo nele é perfeito. Não consigo ser objectiva ao falar dele, é bom do primeiro ao último segundo. É, como dizes, «delirantemente engraçado» e atesta a genialidade do realizador, bem como o incrível talento de Peter Sellers.

12:26 da tarde  
Blogger brain-mixer said...

Adoro o "Homem-Bomba"!!

4:35 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Kubrick é de facto um grande realizador :)!

Cumps. cinéfilos

5:38 da tarde  
Blogger Pedro Serra said...

Este filme é genial e um clássico da comédia, disso não há dúvidas. Peter Sellers tem um trabalho inacreditável.
No entanto, não consigo render-me tão completamente como tu. Nao sei bem o que é, mas há algo nos filmes de Kubrick que me deixa de pé atrás.

12:09 da manhã  
Blogger Coutinho77 said...

Grande filme, grande Kubrick, grande Peter Sellers, grande George C. Scott... Fabuloso!
Abraço!

3:15 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Vera: É uma das superiores obras de Kubrick.

Brain: E fizeste bem. :)

s0lo: É um exemplo! Infelizmente não existem muitos como ele. Cumps.

Pedro: Gostos...

coutinho: As cinco estrelas são uma mera decoração. Este filme transcende a classificação. Abraço!

8:18 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Concordo a 100% com as 5 estrelas!

Este é daqueles filmes que merece sempre ser revisto para umas boas gargalhadas!

Para 1º filme recomendava o "Full Metal Jacket" que é um espectáculo de filme, é fácil de ver e toda a gente gosta.

Bom review :)

11:17 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Obrigado! ;)
É um excelente filme para rir... e pensar muito!

11:28 da manhã  
Blogger Carlos M. Reis said...

Este filme é simplesmente brutal. Não fiquei fã de outras obras de Kubrick como 2001 ou The Shining (de Full Metal Jacket já não digo o mesmo) mas a este fiquei completamente rendido. Vi-o hoje pela primeira vez.

A tua critica está perfeita Francisco. Deixa-me só corrigir-te ai na parte de que Sellers partiu a perna e por isso não fez um quarto papel. No documentário que acompanha o DVD as pessoas mais próximas dele dizem que foi tudo uma simulação dele porque este não conseguia colocar o sotaque texano após várias semanas de treino.

Mas é um daqueles mistérios que ficará no ar para sempre.

Um grande abraço!

6:19 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Também vi esse documentário, mas esta questão reveste-se de um misticismo tremendo.

Este uma das obras máximas do Mestre. Tantos anos após a sua elaboração, ainda consegue divertir audiências. É um argumento fabuloso e como parte da obra de Kubrick: Intemporal.

9:47 da manhã  

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