sexta-feira, setembro 02, 2005

“Land of the Dead”, de George A. Romero

Class.:



“Zombies, man… they creep me out” (Kaufman)
Para os apreciadores de bom terror, George A. Romero encontra-se num altar e é venerado como um deus. O notável realizador iniciou a saga “Dead” em 1968 com “Night of the Living Dead”. Apesar do baixo orçamento a película foi uma perfeita fusão de horror grotesco, humor negro e comentário social, jamais igualada.
Depois sucederam “Dawn of the Dead” (1978) e “Day of the Dead” (1985). Ou seja… Seguindo a lógica, o quarto filme deveria chamar-se… “Evening of The Dead”, ou em português “Lusco-Fusco dos Mortos”, não? Enfim…
Agora a sério, após vinte (longos) anos, Romero recebeu um orçamento respeitável para materializar a sua visão e acrescentar um novo capítulo à saga “Dead”, intitulado “Land of the Dead”.

Nesta quarta investida de Romero na saga, os zombies tomaram conta da Terra. À medida que a praga de zombies prolifera pelo planeta, uma pequena comunidade de sobreviventes tomou residência numa cidade fortificada: Fiddler’s Green. O complexo liderado pelo impiedoso industrial Kaufman (Dennis Hopper), destina-se a manter a classe rica feliz e segura, os pobres distraídos e os zombies bom longe. Para o mercenário Riley (Simon Baker) e seu grupo (Robert Joy, John Leguizamo e Asia Argento, entre outros), a ameaça começa a ganhar contornos alarmantes e a segurança de Fiddler’s Green fica comprometida, pois os zombies (liderados por Eugene Clark) aprenderam a usar a lógica e utensílios para se banquetearem em carne humana.

“Land of the Dead” retorna o género zombie às suas divertidas raízes através do seu criador, após algumas ramificações sérias (“28 Days Later”), brilhantes (“Shaun of the Dead”), óptimas (o remake de “Dawn of the Dead” em 2004) e outras patéticas (os filmes “Resident Evil”). O filme marca igualmente o regresso de elementos do género que foram ignorados. Um claro exemplo é não existirem zombies com aptidão para competirem com Flash Gordon. A lentidão devolve o efeito de terror escalado.



Tal como as películas anteriores da saga tinham algo a proferir sobre a Humanidade, “Land of the Dead” oferece uma nova perspectiva política de Romero. Para além das óbvias (e saturantes) referências ao 11 de Setembro, o cineasta escava ainda mais fundo e apesar de preferir um filme com significado, Romero não olvida o seu sentido de entretenimento. É um mestre em histórias com múltiplas camadas e desafia a reflexão do espectador.

Se “Dawn of the Dead” satirizava o consumismo abrupto, “Land of the Dead” lança um olhar crítico aos capitalistas que tornam o consumismo possível. Romero reprova igualmente a atitude das nações milionárias, para com os países do Terceiro Mundo. O que realmente assusta no filme é verificar como as altas classes da sociedade privilegiam o seu estatuto em detrimento das vidas ameaçadas dos desditosos, mesmo perante crises desmedidas. Os residentes de Fiddler's Green vivem relaxados em luxúria, aprazivelmente sorvendo cocktails, comprando em lojas de estilistas, ignorando completamente o conflito, a destruição e miséria que é semeada à sua volta. Como poderão viver pacatos e tranquilos? Como terão paz de espírito para dormir? Será que a calamidade pesa tanto na sua consciência, como um pedaço de algodão nas costas de um elefante? Os paralelismos com o mundo actual são irrefutáveis.

Apesar de Romero imbuir os seus filmes com uma crítica à sociedade de costumes americana (e porque não mundial?), o subtexto sócio-político não impede um visceral festim gore.
Apesar dos efeitos gore de Tom Savini para “Dawn of the Dawn” e “Day of the Dead” serem idolatrados na comunidade de fãs gore, o trabalho de Greg Nicotero e Howard Berger (“Evil Dead 2”, “Pulp Fiction” e até “Kill Bill: Vol. 1 e 2”) é fantástico, meticuloso e melhor forjado. No entanto os fiéis a Savini irão saciar a nostalgia, vendo-o num papel de zombie. O realizador e o argumentista do brilhante “Shaun of the Dead” (Edgar Wright e Simon Pegg, respectivamente), também participam neste filme como zombies. O filme de 2004 foi uma ilustre homenagem aos filmes de Romero.



A sátira social é excelente (o pormenor do fogo de artifício para distrair é magnífico) e a acção gore deliciosa, mas a história do filme é simples, básica e previsível, revelando uma das deficiências do filme. A cidade fortificada evoca “Escape from New York” de John Carpenter, revelando algo que Romero nunca exibiu na saga: alguma falta de originalidade. Será que o facto de uma grande produtora tomar conta deste episódio da saga, limitou um pouco a acção de Romero? O que é certo é que os zombies não metem assim tanto medo, nem existem assim tantos momentos para cravarmos as unhas nos braços da cadeira. Se nem as personagens do filme receiam os monstrinhos esfomeados, porque deveríamos nós teme-los? No entanto o recado de Romero é evidente: ao tornar os mortos-vivos “simpáticos” ele salienta que estes filmes pertencem aos próprios zombies.

George A. Romero criou uma interessante versão zombie para “Metropolis” de Fritz Lang. A metáfora social é acutilante, a lenta educação dos zombies é um desenvolvimento interessante, a engenhosa manipulação da câmara origina algumas cenas assombrosas, os efeitos gore e a caracterização são soberbos (com especial menção para o fenomenal palhaço zombie), mas a história é presumível. “Land of the Dead” poderá não ser o mais assustador filme de zombies de sempre, mas é certamente o mais perspicaz. Apesar de Romero ter esventrado a sociedade de costumes, para nos regalar com um nutritivo rodízio, não fiquei totalmente saciado e espero que ele esteja apenas a aquecer para um suculento banquete final.

16 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Gostei da crítica. Fez-me valorizar um pouco mais o filme na prespectiva do ataque à sociedade consumista de hoje. Contudo acho que não foi suficiente para me agradar...Como filme gore não arrisca assim tanto deixando-nos com impressão de que este filme foi apenas a entrada. Como filme de terror, digamos que foram muitos mais os momentos de comédia que de medo. Para além disso não gostei muito dos actores e o enredo...aquela evolução dos zombies sinceramente não me convenceu muito (para não dizer que me pareceu bastante disparatada) bem como a atitude que o personagem principal toma relativamente aos Zombies (no final do filme).
Aceito críticas abertamente :)

10:05 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Também partilho um pouco da tua opinião, mas deixa-me expor aqui alguns aspectos. Em relação aos momentos de comédia, isso é normal em Romero e não achincalha um filme de terror. Ele sempre imbuiu a saga com um divertido humor negro e é isso que o distingue.
Em relação ao enredo, tens absoluta razão. É extremamente fino, previsível e pouco interessante mas devolve as raízes do género iniciado por Romero. E a sátira social eleva imenso a película.

Quanto à evolução dos zombies e a atitude de Riley, Romero realça que o filme e a saga pertencem aos Zombies. São eles que funcionam como veículo de diversão e reflexão.

É um bom filme, mas não supera o velhinho "Night of the Living Dead".

10:29 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

sendo assim, pelo que pude constatar, equilibra-se aos recentes esforços cinematográficos no género, como o "28 days later", o "shaun of the dead" e o remake do "dawn of the dead", já que gostei dos três, irei certamente gostar do "land of the dead".... :) assim o espero né!

1:06 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

membio: Vale bem a pena. Já dá para matar saudades do ciador do género!

lisbon: Dizer que "Land of the Dead" é mais do mesmo é revelar um ingénuo conhecimento de causa. E maldizer de forma infundada sobre uma matéria que se desconhece é tremendamente deplorável.
Quanto ao frívolo e patético "Resident Evil", não detém honras nenhumas de relançar o género. Quem o relançou foi "28 days later" de Danny Boyle".

E já agora essa notícia do PW Anderson e mais um "Resident Evil" é uma tristeza. É revoltante verificar como este tipo de filmes néscios, ocos e obtusos recebem orçamentos para verem a luz do dia. Existe tanto realizador bom que é permanentemente objecto de repulsa, graças a estes filmes pipoca efémeros. Enfim... a estupidificação continua.

8:09 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

e logo eu que gostava imenso do jogo "resident evil", estava a torcer bué por esse franchising ter resultado no cinema, enfim... é realmente uma pena!

12:25 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Boa crítica, nada que eu não estivesse à espera. Gosto muito dos filmes do Romero, e se este for mesmo estilo dos antigos então vou gostar de certeza. Segunda tiro tudo a limpo! :)
Um abraço!

1:53 da tarde  
Blogger Gustavo H.R. said...

Repito o que escrevi em outro blog: George A. Romero é dos poucos cineastas "sobreviventes" de uma era de grande mudança da mentalidade intelectual cinematográfica que ainda não cederam completamente ao pastiche do gênero. Espero poder descubri-lo algum dia. Não comento seu texto pois não vi o filme.

3:32 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

membio: É uma enorme pena.

André Carita: É uma boa actualização no género. Abraço!

Gustavo: Os filmes de Romero transcendem o género. Género esse que ultimamente anda nas ruas da amargura, graças inclusive a fracos remakes americanos de preciosidades asiáticas. O género de terror é bem interessante, o problema é que somos bombardeados com os piores filmes do género e hollywood trata de matar a reputação de alguns.

5:32 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tenho que ir ver este e já esta semana :P!

Cumps. cinéfilos

10:27 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Vale bem os € investidos.
Cumps!

11:42 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Se Romero não existisse, o joguinho Resident Evil nunca teria visto a luz do dia.
Isso de o Garfield ter uma mensagem se desejarmos é absurdo. Um bom realizador consegue incutir no filme uma mensagem subliminar, que infelizmente o público em geral não capta. Mas essa mensagem não é inventada... existe!!

Aceito a tua opção cinéfila, por mim até podias idolatrar os filmes de Ed Wood... a contemplação artística é individual.
Mas falares nesse tom ingénuo de Romero deixa qualquer pessoa que tenha o mínimo de conhecimento de causa, aparvalhada!

11:37 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Ok, entendidos.
Esta é a beleza da Arte!

11:11 da tarde  
Blogger gonn1000 said...

Gostei, não chega a assustar mas é inquietante e desconfortável q.b.. A parábola social não é especialmente inovadora, mas fornece algum subtexto, e o filme mantém uma eficácia digna de nota, ainda que sem grandes revoluções. "28 Days Later" é melhor, no entanto, e não percebo porque foi tão mal recebido pela crítica entre nós (a mesma que não tem poupado elogios ao novo do Romero...enfim...).

11:49 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Também adorei "28 Days Later".

11:55 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

28 Days Later é muito porreiro! Para mim foi um regresso muito digno dos undead à película!

Quanto a mensagens subliminares tens de tudo, tipo D. Lynch em que podes acreditar no que quiseres ou este último de Romero em que é mais que evidente a mensagem patente...

3:29 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

É um regresso que se mantém bem distante da mediocridade que abunda nos recentes filmes de terror wannabe.

4:30 da tarde  

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