domingo, outubro 02, 2005

“The Brothers Grimm”, de Terry Gilliam

Class:

“It's not magic, it's just shiny.” (Wilhelm Grimm)

Era uma vez… dois realizadores com interessantes semelhanças: Terry Gilliam e Orson Welles. Ambos ensaiaram e abortaram a tentativa para completar um filme de “Don Quixote” e ambos eram possuidores de visões demasiado esplendorosas para serem controladas e diminuídas por estúdios. “The Brothers Grimm” foi uma nova experiência horrível para Gilliam, subtraído no seu manancial imaginativo por produtores com a mania que são geniais editores/realizadores, e o resultado final é um filme superior a muitos detritos hollywoodescos, mas com uma lancinante ausência da enorme alma cinematográfica de Terry Gilliam.

Numa das primeiras obras do brilhante Peter Jackson, “The Frighteners”, um investigador paranormal, ganhava a vida falsificando assombrações para ganhar clientela a exorcizar casas. Apesar de Frank (Michael J. Fox) ser uma fraude, ele chega realmente a contactar com espíritos.

A premissa deste “The Brothers Grimm” é semelhante, pois os irmãos Grimm, Wilhelm (Matt Damon) e Jacob (Heath Ledger), prosperam exorcizando demónios, forjando autênticas farsas inspiradas em temores e superstições das aldeias. Elaboram um espectáculo fantasioso, recolhem a colecta e partem para uma nova povoação a intrujar.

“The Brothers Grimm” é uma experiência algo insignificante. Se o realizador que aparece nos créditos é o fabuloso Terry Gilliam, portador de “Monty Python” no seu ADN, quais as razões para o filme descambar? Infelizmente são muitas. Primeiro, temos o argumento de Ehren Kruger que aparenta ter seleccionado e cosido com teias de aranha, um bordado de sinopses. É de uma incoerência atroz. Depois existe a intervenção de uma produtora que usurpou o controlo, perfeccionismo e criatividade selvagem de Gilliam. O realizador passou um mau bocado ao concretizar este projecto e a sua estreia foi sendo adiada alguns anos. A Miramax negou-lhe o intuito de contratar Samantha Morton (“Minority Report”), exigindo uma actriz menos conhecida, despediram o director de fotografia de Gilliam, alegando que este era lento e levando o realizador a recusar trabalhar durante duas semanas. Enfim… a velha máxima do «quero, posso e mando», extorquindo a liberdade de um notável realizador.

O compasso do filme é por vezes demasiado letárgico, graças à interferência dos franceses, suspendendo a aventura. Até parece uma metáfora para a débil afinidade dos americanos relativamente aos franceses. Apesar da existência de criaturas e cenários mágicos, o encanto escasseia na ausência de inocência para contrabalançar a realidade sombria. O tédio flui à medida que “The Brothers Grimm” avança, pois não existe ritmo, nem coesão na história.

As personagens de Matt Damon de Heath Ledger passam o tempo a vexar e burlar, demorando uma eternidade a criar uma empatia. Aliás, Damon aparenta em algumas cenas ter sido alvo de uma anestesia ao queixo, pois alterna irritantemente entre uma pronúncia americana e uma pronúncia britânica que iguala o indigesto sotaque de Keanu Reeves em “Dracula” de Coppola. Das duas, uma: ou é talento para guarnecer algum gozo pessoal, ou é uma humilhação inesperada. Torço para que seja a primeira alternativa. Ledger tem uma brilhante interpretação, competente e apropriada. Peter Stormare (Cavaldi) é hilariante, Lena Headey (Angelika) desempenha uma personagem que procura uma conexão emocional com o público, mas é Monica Bellucci interpretando a Rainha do Espelho, quem arrebata novamente. É uma Diva da Sétima Arte, ela personifica o encanto. Como Rainha má, Bellucci é o equivalente de carne e osso para as vilãs dos contos infantis e até das Clássicas animações da Disney.

Adoro a obra de Terry Gilliam, repleta de cenários criativos e adornados por personagens bizarras que se movimentam simultaneamente de forma primorosa e perigosa. Desde “Brazil” a “12 Monkeys” ou de “Time Bandits” a “The Fisher King”, o seu estilo é inconfundível. Mesmo quando Gilliam é limitado nos seus intentos e funciona com um décimo da sua potencialidade, as suas imagens ficam encadeadas na memória dos cinéfilos.

O toque de Gilliam nunca está em causa e alguns momentos inspirados esvoaçam pelo filme como corvos negros e folhas outonais. Quando os irmãos Grimm penetram no reduto da Rainha, o filme explode em intriga e vívidas ambiências. A encenação é fascinante e detalhada, definida com radiantes colorações. A assinatura do cineasta fantasista é tão distinta, que nenhum estúdio a consegue suprimir completamente.

“The Brothers Grimm” é um filme com os visuais surreais de Gilliam, mas sem a sua imensa alma. A deslumbrante assinatura utópica de Gilliam é acentuada com alguns momentos de requintada malvadez e comédia negra bizarra que o definem, mas o resultado final é uma épica decepção, um filme inerte que se assemelha a uma amálgama de cenas eliminadas.

21 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Logo vi que isto não era grande coisa...tanto alarido para nada :S lol!

Cumps. cinéfilos

11:25 da manhã  
Blogger Hitler said...

Infelizmente as produtoras não deixam alguns realizadores mostrarem o seu real talento. Eles nem deixaram que a maquilhagem dos actores fosse mais além (nomeadamente com proteses do nariz) porque pensavam que não seriam reconhecidos! Amigos, as pessoas vêem os posters e os créditos e os nomes deles iam estar lá!
Mesmo assim continua com algumas expectativas, essencialmente por ser de Gilliam.

Se Gilliam tivesse 1/3 do poder de George Lucas daqui a uns anos estreava o filme à sua maneira como fez Lucas com American Graffiti depois do sucesso de Star Wars.

11:31 da manhã  
Blogger Hitler said...

Mesmo assim continuo com algumas expectativas, essencialmente por ser de Gilliam.
Enganei-me
lol :)

11:32 da manhã  
Blogger gonn1000 said...

As críticas não têm sido consensuais, por isso tenho expectativas moderadas. Acho que esta semana tiro as dúvidas...

12:33 da tarde  
Blogger Unknown said...

Mas será que só eu gostei muito do filme?!

12:34 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Por acaso não é o tipo de filme de me entusiasma e me faz entrar na sala de cinema. Com o começo do ano lectivo tenho andado tão desactualizado que tenho perdido as últimas estreias, por isso este não deve ser excepção, e pela tua análise... :P

Um abraço! :)

1:10 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

se calhar vou mesmo esperar pela edição de DVD !!!! :(

3:15 da tarde  
Blogger Gustavo H.R. said...

De fato, Francisco, os fãs de Gilliam ficaram desiludidos com a impessoalidade da obra. Os não-fãs (como eu), desinteressados. Não foi desta vez que Gilliam pôde ter em mãos seu controlo artístico novamente.

3:35 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

No Brasil, estréia só na sexta...Estou ansioso para ver, embora as criticas negativas. Quero ver as "garras" de Monica Belucci...

3:57 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

não me parecia assim tão mau...fui ver o 'golo!' em vez deste.. dou-lhe 3 estrelas. see ya

9:05 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

s0lo: Desiludiu-me imenso. A Miramax sabe como enganar plateias, quando deseja, agora sugar a liberdade de um génio como Gilliam é demais!
Cumps.

Ana Marques: O filme contém imagens que ficarão connosco e são deliciosas, mas o resultado final não é positivo.

gonn1000: Sim, as críticas têm oscilado muito...

rsd: Não és a única, mas não te acompanho. ;)

9:07 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

André Carita: Por acaso sou fã de Gilliam e continuarei a assistir às estreias de todos os seus filmes... apesar desta desilusão.
Abraço!

membio: A rsd gostou e mais pessoas lhe seguiram, é uma questão de opção...

Gustavo: Os fãs de Gilliam apercebem-se claramente, como o caminho desejado pelo cineasta foi alterado por forças poderosas, tal como a floresta mística do filme.

Marfil: Bellucci é um dos (poucos) pontos altos do filme.

André Batista: Esse "Golo!" não me cativa mesmo nada.

9:13 da tarde  
Blogger brain-mixer said...

Gilliam é um daqueles realizadores que me desperta sempre a curiosidade... Vou dar-lhe uma hipótese e ver o filme com boas expectativas!

2:53 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Faz isso. o Gilliam merece-o...

2:56 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Dói muito ver Gilliam acorrentado por garras produtivas com a mania de domínio na edição/realização. Mesmo assim existem imagens que nunca me abandonarão... principalmente a do Capuchinho Vermelho... sublime arrebatamento!

Em relação aos actores estamos em completa sintonia. Belluci volta a arrebatar com o seu inesgotável charme, Stormare é hilariante controlando um peculiar sotaque (ao invés de Damon) e Ledger começa a cimentar uma extraordinária versatilidade, tornando-se um caso bem sério de qualidade na arte de representar.

5:47 da tarde  
Blogger David Santos said...

“The Brothers Grimm” é um filme com os visuais surreais de Gilliam

onde?...axo k o problema é mm esse


e ja agora um outro filme e ai sim onde é completamente Terry Gilliam no surreal (para muitos demasiadamente) As Fantasticas Aventuras Do Barão

para finalizar o filme do Peter Jackson, se bem me lembro, a personagem de Michael J. Fox não é um charlatão como os irmãos Grimm, vê é um numero por cima da cabeça das pessoas que vão morrer vitimas de um "assassino em serie" do outro mundo, e tem a ajuda de uns fantasmas (verdadeiros) para assustar as casas para ir vivendo, tudo por causa de um "trauma" do acidente em que a mulher morre e partir daí ganha os tais "poderes" para ver seres do outro mundo.
Acho essa relação entre os dois filmes demasiadamente forçada

9:19 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

O filme é defeituoso mas que existem pinceladas do surreal Gilliamesco existem. Para que me perguntas onde? Não leste a crítica? Se não encontras os visuais surreais de Gilliam no filme o problema já não é meu. Que problema tenho eu com a tua falta de alcance? Até o próprio Gilliam afirma ter conseguido apresentar os contos dos Grimm como pretendia, apesar de considerar essa afirmação falsa.

Em relação ao filme do Jackson, as premissas são particularmente idênticas. Repito: premissas!! E não desenvolvimento. Em ambos os filmes os "heróis" são apresentados como detectives paranormais e a diferença é que Frank Bannister é uma fraude com peculiares ajudantes, contactando realmente com o outro mundo. O desenvolvimento é completamente diferente, mas as premissas são idênticas. Repito idênticas, não iguais!

11:42 da tarde  
Blogger David Santos said...

falei nas Fantasticas Aventuras Do Barão e até já tinhas falado No Brazil o Outro Lado do Sonho, filmes onde é notória o surrealismo visual do cinema de Terry Gilliam.
No caso dos irmãos Grimm. talvez nã otenha me expressado bem, não encontro aquele delirio gritante visual que tão bem Gilliam consegue fazer, está lá o toque de Gilliam é certo, os jogos de luz, sombras, etc etc... mas o delirio não, mesmo nas próprias personagens, tirando a personagem de Peter Stormare e a de Jonathan Price (assiduo colaborador de Gilliam).
Mesmo em Time Bandits a parte final do filme é delirante em termos visuais.
Sendo as histórias dos irmãos Grimm tão ricas na fantasia, cai que nem luva a Gilliam (ele próprio se diz influenciado pelas seus contos) para exprimir na sua totalidade toda a sua extravagância que adoro.
Apenas foi isso que quiz dizer.

"Que problema tenho eu com a tua falta de alcance?" Li a tua critica com toda a atenção e despertou em mim a vontade de participar e discutir um filme e não percebo pq o teu tom de ataque pessoal.
Talvez me tenha enganado e não seja de bom tom então exprimir opiniões no blog.

Peço Desculpa

11:21 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Mas afinal o que escrevi eu na crítica?? Não a leste?? Redigi exactamente o que acabaste de escrever... aliás, tu até acabaste por te contradizer completamente!

Claro que é de bom tom exprimir opiniões num blog, ou em qualquer tertúlia. Mas arremessaste uma pergunta para um comentário meu, sem qualquer construtividade analítica. Se consideras a minha afirmação como ataque pessoal (e acredita que não foi a intenção), também me vejo no direito de considerar o teu primeiro comentário como ataque pessoal.

Um muito bem haja.

11:37 da manhã  
Blogger Cataclismo Cerebral said...

Eu sou dos poucos que gosta do Fear and Loathing in Las Vegas, mas este The Brothers Grimm não me chama muito à atenção.

Abraço

8:37 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Bem-vindo ao clube.

Abraço!

9:57 da manhã  

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