sábado, outubro 15, 2005

"Hauru no ugoku shiro", de Hayao Miyasaki

Class.:

“Um dos maiores ganhos da maturidade é a perda dos medos juvenis.” (Provérbio Japonês)

A animação tradicional tornou-se uma espécie em vias de extinção, agora que a Disney se juntou à Dreamworks e Fox abandonando tal estilo de animação. Um ilustre sobrevivente deste venerável género é o japonês Hayao Miyasaki, autor de inúmeras obras mágicas, tais como, “Nausicaä”, “Tenko No Shiro Rapyuta”, “Tonari No Totoro”, “Majo No Takkyûbin”, “Mononoke-Hime” e o genial “Sen To Chihiro No Kamikakushi”. A combinação de ambientes elaborados, reprimenda social, beleza lírica, sequências de voo emocionantes e humanismo enternecedor, salientam o engenho deste superior autor, que evita os estereótipos num género que os desbarata.

Sophie, uma adolescente que trabalha na loja de chapéus de sua mãe, é enfeitiçada por uma malvada bruxa que a transforma numa velhinha. Envergonhada pela sua recente aparência, ruma para as colinas onde deambula um misterioso castelo. Consta-se que tal castelo pertence a um belo e jovem feiticeiro chamado Hauru (Howl é o seu nome “ocidental”), que acarreta uma má reputação.

“Hauru no ugoku shiro” recolhe elementos de “The Wizard of Oz”, “Beauty and the Beast” e até Howl evoca uma personagem de Shakespeare: Hal, o pródigo príncipe que necessitava de um impulso para alcançar a maturidade. Este filme japonês é conto de amor, desejo e identidade. Uma parábola para a interacção da mente, coração e determinação. Ao dobrar de cada esquina, ocultam-se imprevisíveis surpresas para regalar o olhar. Tal como em “Monsters, Inc.” cada porta encerra um novo mundo, um novo encontro. É um mundo de feiticeiros, bruxas e demónios que vagueiam entre o Bem e o Mal, com vidas próprias.

O facto do filme ser uma adaptação do romance infantil britânico de Diana Wynne Jones, talvez explique as pequenas lacunas do argumento. É bem verdade que Miyasaki lhe aplica o seu cunho, mas as obras que brotam da sua própria imaginação, têm um arrebatamento bem superior. O mundo criado é belo e gracioso, mas não ganha uma ressonância manifestada em anteriores trabalhos escritos e realizados pelo Mestre. Contudo o autor consegue seduzir o espectador a decifrar os subtis motivos das personagens, consequentemente, apesar do filme ser de difícil compreensão, nunca é monótono para o cinéfilo idóneo.

Como visualmente o filme é bastante vívido, certamente também irá encantar as crianças, apesar destas nem sempre se aperceberem do que realmente se passa. Até os adultos irão remoer a massa cinzenta, tentando descortinar o rumo dos acontecimentos, enquanto muitas questões despoletam interpretações pessoais. Os desígnios e mistérios orientais de Miyasaki conduzirão muitas audiências para uma prematura frustração, pois as suas relíquias artísticas apelam às faculdades cinéfilas do espectador. A frequência na qual as aparências de Sophie variam, desencadeia múltiplas acepções: Será que o Amor lhe quebra o feitiço? Será que Howl consegue vê-la com as feições originais? Será tudo uma metáfora para o amadurecimento?

Miyasaki elabora deslumbrantes fusões do surreal com o quotidiano palpável. A sua obra está assente numa natureza povoada por espíritos, patenteados nas criaturas que se materializam das sombras, no serpentear da relva e das folhas das árvores, assim como no emprego da luz. A exponenciação do panteísmo de Miyasaki.

A técnica de animação do Mestre Miyasaki é tão impressionante como a profundidade e substância dos seus universos quiméricos. A mudança de clima, os complexos padrões de movimento, os lustrosos esquemas de cor e a notável arquitectura, extasiam deleitosamente. O seu singular sentido de espaço, tempo e peso, subsiste de forma majestosa. Quando Sophie e a bruxa sobem aquela interminável escadaria para o Palácio Real, sentimos cada passo minucioso.

As personagens estabelecem uma admirável empatia com a audiência, desde o ajudante Markl ao demónio do fogo Calcifer e passando inclusive pela Bruxa do Nada e um peculiar cãozinho. A paixão de Miyasaki pela mutação da natureza das suas personagens persiste e a inclusão de uma puramente poética é fenomenal: um espantalho mudo e benignamente possuído, cuja postura é uma alegoria ao Cristianismo, marcando sempre presença quando necessário. Nos seus filmes, não existe vilão sem admiráveis qualidades, nem heróis imaculados sem obscuros segredos e qualquer gesto pecaminoso.

Miyasaki abriga sempre uma crítica aos tempos modernos. “Mononoke-hime” era sobre o Meio Ambiente, “Sen To Chihiro No Kamikakushi” reflectia sobre uma sociedade avarenta, materialista e sobre a desconexão entre pais e filhos. “Hauru no ugoku shiro” acolhe uma mensagem anti-guerra numa utópica visão de um mundo calamitoso e funciona como uma arguta e maravilhosa parábola sobre o amadurecimento, sobre como lidar com as respectivas vantagens e desvantagens que nos torna indivíduos. O Mestre da Animação escava fundo nas suas personagens, para descobrir a humanidade e compaixão depositada nos seus corações. Hayao Miyasaki é um cartógrafo da alma, colorindo a paisagem da essência humana com pinceladas de puro encanto.


P.S. Apenas gostava de efectuar um pequeno comentário relativo às dobragens destes filmes. Compreendo que tal seja necessário para as crianças (não japonesas) poderem ter acesso ao filme, mas o Anime é produto de uma cultura específica, com ritmos próprios, exactos e genuínos. Quando sofre uma dobragem, a Obra decresce a toada, erradicando um elemento primário do inerente misticismo.

11 Comments:

Anonymous Anónimo said...

não li a tua crítica, para não tirar a magia de ser supreendido, por isso quando o ver terei muito gosto em colocar a minha opinião :)

1:58 da tarde  
Blogger Coutinho77 said...

Hum... não lhe deste as 5 estrelinhas... Este senhor Miyasaki consegue sempre absorver-me na totalidade para os seus contos. Tenho de ir obrigatoriamente ver o quanto antes (não sabia que tinha estreado esta quinta.
Abraço!

2:32 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Irei ver assim que puder, mas também me irei recusar a ver o filme se não for a versão original.

Abraços!

2:52 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ainda não li a crítica (tal como o membio) para não me 'estragar' o filme.. mas vi a classificação (claro!) que me motivou ainda mais a ver o filme. See ya :)

10:03 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

membio: Fazes mt bem. :)

Coutinho: Não me arrebatou completamente... faltou algo mais.
Abraço!

s0lo: Felizmente vi a original e não aquela portuguesa ou americanizada!
Abraço!

André Batista: Dá-lhe uma vista de olhos. É muito bom!

10:46 da manhã  
Blogger brain-mixer said...

De Miyasaki só vi ainda o Princess Mononoke, tenho de me actualizar... Começando pelo Chihiro Voyage!

Quant ao teu P.S. concordo perfeitamente!

12:28 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Aqui no Brasil, saiu como "O Castelo ANimado". O filme é bonito, mas prefiro ainda Chihiro

1:06 da tarde  
Blogger Spaceboy said...

Do Miyasaki ainda só vi «A Viagem de Chihiro» e acho que é genial! É com grandes expectativas que iriei ver (não sei quando) este «Castelo Andante».

1:57 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Brain: "Sen To Chihiro No Kamikakushi" é absolutamente imperdível.

marfil: Também partilho da tua preferência.

spaceboy: Não é o melhor Miyasaki... mesmo assim é um filme maravilhoso.

7:37 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

infelizmente tive de ver a versão portuguesa e realmente decresce um pouco a obra, mas passado algum tempo habituamo-nos à dobragem. É realmente um filme espantoso cheio de magia, alegria, tristeza, amor e tantos outros sentimentos. Apesar de o filme se passar durante uma guerra, a violência não se encontra demasiado expressiva. 4 estrelas para o filme, 2.5 estrelas para a dobragem. Ainda tenho de o ver na versão original.

12:40 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Não percas a versão original... é outra experiência.

7:38 da manhã  

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