segunda-feira, dezembro 05, 2005

"Harry Potter and the Goblet of Fire", de Mike Newell

Class.:

How lies affect your legend, Harry...” (Voldemort)


Quatro estão concluídos, faltam três. A cada novo episódio, a saga de Harry Potter eleva a fasquia, pois não existe ócio nem procuram ludibriar audiências. Aliás, se divagarmos um pouco acerca de sagas verificamos como esta em particular, se trata de um fenómeno quase sem precedentes. Na história do Cinema a maioria das sagas é portadora de fraquíssimos quartos capítulos, filmes que apenas representam a sombra da glória dos seus predecessores, por exemplo: as sagas “Superman”, “Batman”, “James Bond”, “Alien” e até “Star Wars” com o “Episode I”.

“Harry Potter and the Goblet of Fire” é o mais completo filme da saga do pequeno feiticeiro. Acomoda um ritmo vibrante, ambientes sinistros, diversão a cada esquina, apurada textura, panoramas fascinantes, diálogos objectivos e algumas linhas lavradas com profundidade. O quarto ano de Harry na escola de feitiçaria de Hogwarts será marcado pelo célebre Torneio dos Três Feiticeiros, no qual representantes de três diferentes escolas de feitiçaria terão de superar uma série de desafios que vão intensificando de dificuldade. Harry recomeça a ter intensas dores na cicatriz, ou seja, Voldemort consolida o seu fortalecimento progressivo e prepara o seu regresso.

O melhor que aconteceu à saga de Harry Potter foi a substituição de Chris Columbus por Alfonso Cuarón em “Prisoner of Azkaban”. Com o terceiro episódio a saga começou finalmente a adquirir vida e forma cinematográfica, deixando de regurgitar entediantes conceitos avulsos da obra de Rowling. Agora com Mike Newell (“Four Weddings and a Funeral”, “Donnie Brasco”) ao leme, “Goblet of Fire” resulta numa adaptação fiel à sua origem literária, mas injectada de forma graciosa com detalhe e sensibilidade cinematográfica. Acolhe uma índole intimista e concreta, reforçando a ameaça iminente. A poesia cinematográfica de Cuarón foi substituída pela excentricidade e fatalismo do britânico Newell.

Daniel Radcliffe (Harry Potter), Rupert Grint (Ron Weasley) e Emma Watson (Hermione Granger) têm desempenhos bastante básicos, carecendo de uma consistente substância emocional. Mas o parco artifício na interpretação dos heróis resulta numa natural e genuína interacção. Brendan Gleeson (Alastor “Mad Eye” Moody) e Miranda Richardson (Rita Skeeter) arrancam excelentes interpretações, com um retorcido sentido de humor, mas é Ralph Fiennes quem rapina todos os créditos de mestria. Fiennes encara o seu passo para o lado negro como uma libertação aprazível. Apesar da curta aparição, a sua expressividade corporal adjuvada pela excelsa vocalização resultam na melhor interpretação do filme e numa das melhores da sua carreira. O seu carisma é novamente salientado pela auréola de versatilidade, encarnando de forma distinta o antagonista de Potter.

J.K. Rowling descerrou com “Goblet of Fire” o seu mundo. Enquanto os três contos iniciais eram assentes nos meandros de Hogwarts, esta quarta incursão faculta o primeiro real olhar sobre o restante mundo de feitiçaria, através da Taça Mundial de Quidditch e do Torneio dos Três Feiticeiros. Mas a exploração não é apenas geográfica, pois o amor paira na atmosfera de Hogwarts, encaminhando a saga de Potter num rumo diferente. As personagens atingem a adolescência, surgem as primordiais tensões sexuais e as efectivas acepções de mortalidade. O epicentro da narrativa é a tribulação que a puberdade provocará nos heróis pueris. Harry exibe uma resoluta coragem para enfrentar perigos mortais num Torneio que se assemelha a um excêntrico episódio de “Fear Factor”, mas convidar uma rapariga para o Baile entorpece-o de temor.

O filme oscila entre ambientes extravagantes e obscuros, com requintado detalhe. Mike Newell não atafulha o filme com enfadonhas definições de poções e encantos, revelando uma acutilante noção de que a magia e os monstros existem ali para adorno e nunca para centro das atenções. Especializado em relações humanas, Newell foca-se nas maldições e encantos do comportamento adolescente. O filme está mais denso, cada área da tela encontra-se minuciosamente adornada sem congestionamentos. Cada um dos múltiplos e diversos elementos artísticos adorna o seu próprio espaço. Os efeitos especiais são modelarmente integrados na história, nunca se apoderando da mesma. Existe inclusive uma fabulosa cena com um dragão, que cativa e pasma graças ao seu sentido de peso, espaço e gravidade.

Faltou cortar na edição uma execrável sequência de dança com uma banda rock aparvalhada e a composição musical de Patrick Doyle é branda, com uma medonha ausência de poder, nunca dignificando os temas de John Williams. O filme não oferta um autêntico clímax, apesar de nos encaminhar para um conflito capital, mas o seu propósito também não é esse. Este capítulo da saga funciona como ponte emocional, amadurecendo os petizes seguidores para os obscuros tempos que se avizinham.

As nuvens sombrias que pairavam no anterior “Prisoner of Azkaban” enegreceram e eclodiu uma impiedosa intempérie. O filme de Alfonso Cuaron era portador de uma bela polidez gótica, mas “Goblet of Fire” possui uma obscuridade existencial, confrontando os adolescentes com a sua própria mortalidade. Apesar da obscuridade, também existe diversão e a magia parece menos estouvada, adquirindo gravidade, majestade e relevância. Talvez com este fantástico “Goblet of Fire”, as pessoas finalmente deixem de encarar Harry Potter como um pacóvio conto infantil, mas como um ilustre contributo para a fantasia moderna. Se tal não acontecer, nem uma maldição Cruciatus vos fará mudar de opinião.


Nota pessoal: De todos os espectáculos visuais, a minha visão predilecta engloba chuva fustigando um peculiar vitral. Sublime!

14 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Boa análise. Também gostei :).

Abraço

8:07 da tarde  
Blogger Sérgio Lopes said...

Não gostei nada dos dois primeiros filmes da saga, mas depois da análose que fizeste, estou com vontade de ver os ultimos dois. Cumprimentos,

Sérgio lopes

9:47 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

O terceiro Harry Potter o pior da saga?
Discordo. É claramente o melhor de todos.
Claramente não reviste os dois primeiros capítulos depois de os teres visto no cinema. Até não desgostei mas revi recentemente e achei pavoroso.
O Daniel Radcliffe até metia dó no papel do Harry Potter.

Entretenimento do melhor?
Concordo. mas é de comer, mastigar e deitar fora. Vê-se.

Em relação a este ultímo Harry Potter pareceu razoável a roçar o medíocre.
Porquê?
Tem um ínicio e um final excelentes mas no meio é uma manta de retalhos (leia-se cenas) colada com efeitos especiais. Falta magia.
Para mais informações é ler a minha crítica no meu blog.

Ps: Nunca concordei com aquele provérbio. Gostos não se discutem.
Para mim gostos respeitam-se mas devem ser discutidos.

Isto só para não pensarem que sou do contra.

12:37 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

eu gostei bastante deste filme onde as cenas do amor e da morte vêm colocar um cariz mais adulto no franshinsing, mas o tom gótico do terceiro está muito bom mesmo, esperava que este filme fosse mais negro aindo. Mas não é mau, vê-se bem e fica-se com expectativa pelo próximo da saga.

12:51 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

migueL: Estamos em completo desacordo quanto a Cuarón. Adorei o terceiro filme da saga e todo o seu requinte gótico.
Abraço!

s0lo: Muito bom entretenimento.
Abraço!

Sérgio Lopes: Os dois filmes iniciais são meras regurgitações de conceitos do conto. Columbus fez um péssimo trabalho, mas felizmente Cuarón e Newell remediaram a saga.
Cumprimentos.

Pedro Ginja: Também discordo (quase completamente) da tua avaliação a este filme... mas respeito-a!

membio: É uma saga que começou a ser bem trabalhada apenas no terceiro capítulo e vem num crescendo. Isso já é por si só um belo feito.

1:01 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Continuo a achar que o terceiro filme da saga é o melhor. Mas este não anda lá muito longe - também dou as quatro estrelinhas :D Cumps

4:40 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

André Batista: Pois eu considero este o mais completo, apesar de adorar o de Cuarón.
Cumprimentos.

Lost in Space: Muito obrigado!
O cunho de Newell está bem patente, graças (tal como disse) ao seu sentido fatalista, bem como no apurado domínio de relações. Como costumo dizer, nas mãos de Columbus esta adaptação teria a profundidade de uma Bolacha Maria. ;)

12:52 da tarde  
Blogger gonn1000 said...

Ainda não vi este, mas os anteriores não me entusiasmaram muito, embora fossem entreetnimento aceitável.

6:35 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

ok, vamos discutir mais um bocadinho.

Estamos a dar quatro estrelas a um filme. Sendo 5 estrelas considerado obra-prima que muito poucos filmes têm direito.

Logo 4 estrelas será do tipo filme muito bom. Muito perto de obra-prima.
Estamos a falar de Harry Potter. Apesar de entretenimento aceitável não me parece um filme que vá ficar para a história.

E atenção eu sou fã dos livros Harry Potter. Li todos menos o ultímo e gosto de ler. E penso que todos concordamos que os livros são superiores aos filmes em todos os aspectos.

Por isso pergunto porque 4 estrelas?

Eu dou 1,5 estrelas porque apesar de me ter divertido pouco ficou do filme. Não é que não tenha gostado mas...

Ps: Francisco Mendes, o teu comentário ao meu comentário foi excelente. Estás lá.

Ps:Isto de estar a gostar menos destes filmes de efeitos especiais também pode ser devido a ler o Y e o Chaiers de CInema agora? Tou a tornar-me num céptico? É possível.

11:25 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

gonn1000: Sim... é entretenimento bem interessante.

Pedro Ginja: Avalio este filme consoante o género no qual se insere. Não avalio um filme deste género da mesma forma que analiso um drama de guerra (por exemplo). Devemos subdividir categorias. Enquanto adaptação este é um filme soberbo... a devida vénia ao melhor livro da saga de Harry Potter. O restante encontrarás na crítica. Existem opiniões contrárias... mas também existem concordantes.

A Arte é mesmo assim... toca-nos individualmente.

Abraço Pedro!

1:07 da tarde  
Blogger Unknown said...

Todos os filmes do Harry Potter são surpreendentes!
Todos baseados num começo mas que desenlaçam diferentes tramas...

Mudanças nos próprios atores acontecem de filme a filme...
Isso aproxime o filme da realidade...
Tudo se encaixa em cada livro e filme...

J.K Rowling é Genial!

;*

10:03 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Os dois primeiros são bastante fraquinhos, na minha humilde opinião, claro está! ;)

9:35 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Não consigo gostar. Serei dos poucos fãs adeptos do Senhor dos Anéis que se recusa a ver filmes do Harry Potter. Não sei li os 3 primeiros livros e nunca mais consegui pegar em nada. achei aquilo ridículo. Provaelmente vou tentar mais uma vez, quem sabe se não encontro coisas diferentes. Mas não me desperta nenhum interesse. Acho estranho e medíocre, prefiro um universo paralelo como o Senhor dos Anéis.

11:31 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Também prefiro incomensaravelmente o universo de Tolkien, mas o que a Rowling conseguiu com os miúdos é de louvar. A literatura não é excelente, mas também não é medíocre. Quanto ao trabalho de adaptação do Newell... muito bom!

1:02 da tarde  

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