quinta-feira, dezembro 22, 2005

"King Kong", de Peter Jackson

Class.:

O Regresso do Rei… Kong!

Após a conclusão de uma trilogia denominada “The Lord of the Rings”, que estampou um carimbo indelével na história da Sétima Arte, muitos julgavam que Peter Jackson iria adquirir uma ilha exótica e gozar os seus lucros. Contudo, movido pela sua admirável paixão pela Sétima Arte, decidiu abraçar o remake da sua obra cinematográfica predilecta. Não estamos a falar de um cineasta (como Spielberg em “War of the Worlds”) que lá por deter um elevado estatuto, decidiu brincar aos filmes com amigos de renome, despachando a tarefa numa velocidade que iria embaraçar Flash Gordon. Falamos de Peter Jackson, alguém que manifesta aqui o remake mais respeitável e inspirado da história da Sétima Arte, alguém que emagreceu 30 quilos laborando aproximadamente 20 horas por dia e interrompendo por vezes a edição da cena final porque o seu amor a Kong é demasiado intenso. Este é o amado bebé de Jackson, alimentado com tecnologia de ponta e afagado com a plena devoção de um verdadeiro amante da Sétima Arte. Este “King Kong” é uma montanha russa de emoções, um blockbuster no qual de forma provocante, ele perpetua Arte através de elementos de filmes série B.

Desde o filme original a cargo de Cooper e Schoedsack, a história do gigantesco símio que se enamora por uma actriz loira, tem sido aflorada e devassada por remakes (em 1976, em vez de escalar o Empire State Building, Kong sobe ao topo do World Trade Center e permuta de torres) e sequelas oficiais, bem como através de (des)inspirações como é o caso de “Mighty Joe Young”. Todos estes remakes unidos não alcançam o calcanhar desta hercúlea homenagem. O essencial permanece intacto, sendo inclusive revisitado. Em 1933 o original compunha uma teia política, moral, psicológica e sexual. Apelando junto de audiências que sobreviviam em plena Grande Depressão, funcionou como símbolo do caos destrutivo do capitalismo e da revolta popular contra o sistema. O prodigioso Jackson costura no conto a sua visão, complementando-o sem nunca o pretender devassar ou sobrepujar. Kong adquiriu profundidade emocional e tematicamente é enfatizada a sua solidão.

O filme inicia com uma montagem fidedigna que recria de forma excelsa a época da Grande Depressão americana. Acompanhamos a acabrunhada actriz Ann Darrow (Naomi Watts), cuja vida atinge vertiginosamente um fundo desespero após o encerramento do teatro onde actuava. Esfomeada a um nível desesperante é apanhada roubando uma maçã, mas o realizador Carl Denham (Jack Black) salva-a do imbróglio e oferece-lhe um jantar. Aí oferece-lhe também fama, fortuna e aventura numa ilha misteriosa, propondo-lhe um papel como protagonista no seu próximo filme. Após uma boa dose de relutância, Darrow aceita dar um passo em frente embarcando no Venture, o barco que a encaminhará para o destino que até o cinéfilo mais desatento conhece.

O cariz de tragédia no qual “King Kong” poderá ser inserido, não dispõe de uma composição musical à altura. O trabalho de James Newton Howard (que dispôs de muito pouco tempo, após substituir Howard Shore) não arrebata, mas também não macula o filme, revelando robustez e competência.

Aliás competência é algo que abunda no elenco. Jack Black desempenha Carl Denham superando o actor do papel original, Robert Amstrong. A sacudidela cómica que Black imprime, salienta a ironia que o seu papel exige através de tiradas de puro brilhantismo letrado, tais como a referência à actriz Fay Wray e ao realizador Cooper. Adrien Brody é o distinto escritor Jack Driscoll que apenas consegue exprimir as suas emoções no papel, chegando sempre atrasado nos momentos capitais de Ann Darrow. Andy Serkis (tal como havia feito na trilogia “The Lord of The Rings” com Gollum) abona os seus movimentos na concepção de Kong e também desempenha o cozinheiro Lumpy. Serkis está a lavrar um capítulo prodigioso na história do Cinema, pois as suas personagens digitais adquirem uma configuração real e palpável. Naomi Watts supera igualmente de forma bem cabal a interpretação original de Fay Wray no papel de Ann Darrow. Em vez de apenas gritar ao longo do filme e adoptar uma postura exibicionista, Watts ilumina nos seus olhos uma profunda afecção por Kong. Ann Darrow é uma extensão para a sua Betty de “Mulholland Drive”. Ambas são actrizes requisitadas para um palco imaginário, que no final se encontram envolvidas num romance peculiar e numa traição do mundo do espectáculo.

Infelizmente o realizador neo-zelandês desperdiça imenso tempo em personagens secundárias com interpretações sólidas, mas cujo desenvolvimento cessa quando Kong desponta na tela. O facto do desfecho de tais personagens ficar na bruma, apenas salienta a magnitude de Kong e como o seu estatuto relega os restantes para a sombra. Por exemplo, ninguém irá visionar “Edward Scissorhands” com o intuito de assimilar o destino e reflexões existenciais da família de Kim.

Kong é a colossal figura do filme. Com o seu nariz em forma de coração, Jackson e a sua equipa de efeitos especiais incutiram personalidade no símio peludo. O filme ostenta numerosas atracções, mas vislumbrar o grandalhão sorrindo e divertindo-se à sua maneira inunda o espírito com lágrimas de felicidade. Os seus olhos emitem faíscas que jorram da labareda formada numa alma genuína, dilatando em sofrimento e adoração na presença de Ann. A sua interacção com Ann realça o excelso tratamento das suas expressões faciais. Kong é a melhor criação CGI da história do Cinema e a personagem animada mais credível, adorável e arrebatadora de sempre. Kong é um nobre selvagem, uma besta anárquica e um miúdo solitário ferido. A solidão é forjada com simplicidade e eloquência e o estatuto solitário é perpetuado no seu promontório predilecto numa terna cena com Ann. Aí, o seu profundo e húmido olhar contempla o pôr-do-sol num momento que funciona como um emblemático presságio para o seu crepúsculo existencial.

No último terço, em New York, paira uma sufocante atmosfera de inevitabilidade. Mesmo nos seus (raros) momentos de felicidade, existe uma sufocante aura de melancolia. Numa das cenas mais imaculadamente românticas de sempre, o bailado no lago de gelo é um momento sublime, representando um efémero instante de felicidade. Visionar Kong feliz, deslizando num ambiente de regozijo sob uma delicada superfície que introduz simbolicamente a fragilidade da sua existência, embarga a alma com lágrimas.

Existe um novo rei na cidade. E quando ruge de forma assombrosa na selva que palminha majestosamente, as restantes criaturas deverão prestar vassalagem a tamanha supremacia. Refiro-me a Peter Jackson, o cineasta mais engenhoso da actualidade, alguém que domina a nobre Arte de multiplicar as potencialidades que a Sétima Arte oferece. Muitos incautos detractores acusam-no de ser apenas um realizador fantasioso? Façam um favor a vocês próprios e desenxovalhem a vossa barbaridade, visionando “Heavenly Creatures”! E mesmo que tal fosse uma asseveração, qual seria o problema? Terá sido o trabalho de George Méliès uma perda de tempo? Preferiam visionar filmagens de um comboio em movimento? O elemento fantástico é uma das fundações primárias do Cinema e Méliès utilizou-o para regar e fazer germinar a Sétima Arte. Peter Jackson é o feiticeiro que difunde encantamentos por todas as salas contemporâneas do planeta, comunicando a essência do Cinema a gerações vindouras e empregando o seu amor à Arte pela qual é enamorado. Ele revisita os populares géneros de Cinema, desde romance, horror, fantasia, aventura, drama, comédia, consciência social e nefastas histórias de amor. Numa atitude altruísta e parafraseando estilos, a sua obra contém filmes sobre… filmes.

Era uma vez, há muitos filmes atrás… uma parábola sob a forma de tragédia com múltiplas camadas. Nado em 1933, “King Kong” representa um exemplo de puro cinema, uma fábula com uma imponente atracção e diversos níveis, onde a aventura e as diversões são tão importantes quanto os temas disponíveis para debate. Atado à sensibilidade da sua própria era, trata-se de uma obra de difícil tradução, mas Jackson puxou dos cordelinhos armando uma tapeçaria que deleita o fã mais inveterado, recapturando e ampliando o fascínio do original. A poderosa musculosidade do filme de Peter Jackson é apenas igualada pelo seu profundo amor a Kong. Tal como a sua amada loira, o imortal Kong poderá contar com a minha presença na palma da sua mão.

18 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Estamos na presença de um dos melhores filems dos últimos tempos :D E também de uma das melhores análises que li ultimamente ! Cumps

4:02 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

É claramente um dos melhores do ano e o melhor remake de sempre.
Obrigado e cumprimentos.

7:25 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Gostei de ler o teu comentário, e percebo perfeitamente o porquê de adorares o trabalho de Jackson. Querendo juntar tantos géneros, às tantas já não sabe muito bem para onde se virar; é pretencioso, muito. No entanto, o filme tem cenas muito simbólicas e comoventes, e acaba por funcionar como um entretenimento eficaz, apesar da sua exagerada duração.
Opiniões.:-)
Um abraço!

10:56 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Lost in Space: Mais uma vez, muito obrigado. Adorei "King Kong", mas não me senti completamente arrebatado. Faltou algo... mas também o objectivo de Jackson não era superar o original, apenas consertar elementos menos explorados com a sua prodigiosa visão.

migueL: Eu compreendo e aceito a tua opinião sobre Jackson e seus filmes. És um exemplo para muitos, alguém que respeita a opinião (mesmo contrária) de outrém desde que devidamente fundamentada.

Pessoalmente não considero Jackson pretensioso, nada mesmo! Repara, o seu sentido de altruísmo é cabalmente afirmado nesta homenagem, pois ele acaba sempre elogiando mais o original, através da reconstituição de cenas e imbuindo o seu amor na concepção de Kong, quer na sua vertente física como anímica. Não o considero pretensioso, é "apenas" um brilhante cineasta com uma colossal e magnífica visão.

Abraço!

12:56 da tarde  
Blogger Hitler said...

Muito bom texto (mais apaixonado só mesmo o do "Lord of the Rings") Eu concordo contigo, há pequenas nuances no filme que nos tocam, principalmente o King Kong, a sua expressão é das mais reais e "humanas" de todo o filme!
A forma como Jackson consegue capturar as relação entre Kong e as outras personagens é excelente!
Boas Festas!

7:09 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

O trabalho de Jackson é memorável, apesar de não atingir o pináculo da trilogia "The Lord of the Rings".
Boas festas Ana!

7:53 da tarde  
Blogger susana said...

Dei exactamente esta pontuação ao king kong no meu post!!!
Aproveito para desejar Feliz Natal!!!beijos susana

2:06 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Um Feliz Natal, igualmente para si!

10:02 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Vai-te habituando a este novo sistema... ;)

Um Abraço!

1:41 da tarde  
Blogger Pedro_Ginja said...

Também já deves ter tido alguns comentários menos felizes por isso é que tiraste os comentários anónimos certo???

Já estive tentado a fazer o mesmo mas ainda não fui capaz. Muitos amigos meus que comentam não estão no blogger por isso não poderiam comentar...Opções.

Em relação ao Kong...
Gostei bastante do filme e passei um bom tempo. Mas esteve longe de me arrebatar. Teve momentos.
E é mesmo muito longo. 3 horas facilmente passadas para umas 2h30...
Aquela cena final no empire com grandes planos da Naomi Watts e Kong seguidos é demais. A parte da queda é no entanto excelente.
São estes momentos que ainda me fizeram acreditar e gostar muito.

12:03 da tarde  
Blogger Pure_Water said...

King Kong é muito bom, só é pena a 1º hora de filme secante :( Porque de resto, 5 estrelas mesmo ;)

3:49 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Pedro Ginja: Sem dúvida. Existiram comentários alarves, maltratando inclusive visitantes. Não pactuo com esse tipo de mentecaptos e este foi o meio que encontrei para enxotar pacóvios que não veêm a luz do Sol há anos.

Pure Water: É um dos melhores filmes deste fim de ano.

6:47 da tarde  
Blogger Ricardo Lopes Moura said...

Amei o King Kong. é absolutamente fabuloso,em todos os sentidos.
mas, se quiseres saber em pormenor o que achei, espreita
http://axasteoque.blogspot.com/2005/12/king-kong-de-peter-jackson.html

5:07 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

É um dos melhores de 2005.
A tua crítica está muito boa.

1:11 da tarde  
Blogger chica said...

Obrigado pelo comentário!!! Sem dúvida um dos piores do ano! Uma seca descomunal. Só não saí do cinema porque as lojas do centro comercial estavam todas fechadas e não tinha como ir para casa...

10:44 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Obrigado pelo comentário!!!
Não se pode agradar a gregos e a troianos. Melhor sorte para a próxima... ou então arranja viatura própria...

1:30 da tarde  
Blogger Luiz Carlos said...

Acabo de ler seu texto. Talvez seja meio tardio o meu comentário, mas não posso deixar de fazê-lo, mesmo assim, tamanha a pujança de sentimentos que o que li despertou. Estou com "King Kong" em casa, para revê-lo nesse feriado de 1o de Maio, e, sinceramente, não sei como ainda não comprei este filme para tê-lo no meio dos meus favoritos. Teu texto me deixou ainda mais emocionado e enternecido com o personagem digital, que, pra mim, embarcando na fantasia de Peter Jackson, é mais humano que muitos de nossos irmãos na terra. Sei que, ao fim da projeção, o símio vai perecer diante da crueldade alheia, mas mesmo assim torço para que ele sobreviva e reine. E choro quando o vejo se comunicando com Ann Darrol, rindo, pulando, brincando (perdoa-me pelos gerúndios, escrevo do Brasil). Enfim, descobri que sou fã mesmo do filme, e especialmente dessa versão mais nova. Obrigado pela homenagem feita à película e, sobretudo, à critura selvagem mais adorável da história da Sétima Arte. Quando fores para a palma daquela mão, me leva contigo. Saudações.

1:32 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Emotivo, empolgante, digno. Uma sumptuosa e bela homenagem.

Cumprimentos.

2:19 da tarde  

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