quinta-feira, dezembro 08, 2005

"Oliver Twist", de Roman Polanski

Class.:


“There’s something in him that touched my heart...” (Mr. Brownlow)

Quando anunciaram que após o aclamado “The Pianist”, Roman Polanski encetaria um projecto visando uma nova adaptação do poderoso romance de 1839 de Charles Dickens, “Oliver Twist”, um colectivo de burburinhos emergiu lentamente censurando o incompreendido realizador. Quais as conexões deste retorcido realizador com “Oliver Twist”? Para quê uma nova produção de um conto que já sofreu mais de 20 adaptações para Cinema e Televisão? Tais julgamentos reflectem incompreensão relativa ao autor de “Repulsion”. Tal como “The Pianist” comprovou fervorosamente, Polanski também aporta no seu âmago empatia humana e acima de tudo, “Oliver Twist” é um filme pessoal de cariz familiar, pois evoca as suas próprias memórias sobre abandono infantil (seus pais foram deportados de um guetto Judeu para um campo de concentração nazi, quando era criança), escavando bem fundo nos terrores e fragilidades pueris.

Oliver Twist é um órfão de 9 anos que se envolve com um grupo de carteiristas liderados por Fagin, nas Ruas de Londres do século XIX. O filme reconstrói com autenticidade a bruma e desespero do mundo de Oliver, mantendo um certo irrealismo e vibrações pungentes. Haverá alguma cena mais comovente na literatura Victoriana, do que aquela na qual o faminto Oliver Twist se banqueteia nas rejeitadas sobras de um cão? Polanski imbui esta magnífica adaptação com o seu sentido mordaz, almejando corações e consciências. Transporta uma vívida presença física para a história através de uma técnica cinematográfica esmerada, desempenhos topo de gama, uma esplêndida composição musical de Rachel Portman e um perfeito trabalho de casting.

Polanski aponta as ambiguidades do eterno conto de Dickens. Os pobres e desditosos deverão ser alvo de compaixão e auxílio, mas também existem alguns que deverão ser temidos e evitados. Na história os vilões exortam sobre amizade e confiança com gentileza, mas quando a vida ou seus bens se encontram em risco, cada um toma conta de si próprio e apunhalará o próximo sem dó nem piedade, se a tal se vir obrigado. Não existe redenção para os infames.

Barney Clark interpreta despretensiosamente Oliver. A sua expressividade melancólica é deveras formidável e a actuação decompõe-se como um crescendo, culminando na exímia cena final com Kingsley. Aí a plena representação emana humanismo, pois ao expressar a sua gratidão à alma desvairada do condenado Fagin, o valente rapaz amadurece ingressando na fase adulta. O arrebatamento da cena salienta o primor absoluto de Polanski. Harry Eden desempenha Artful Dodger repleto de emoção e graça física. Jamie Boreman interpreta Bill Sykes, o temível vilão que demonstra a funesta influência de Fagin na transição de infância criminosa para vida adulta de malvadez. Foreman desempenha-o excepcionalmente com um certo grau de bestialidade, com uma brutal energia de pura ferocidade. Mas o soberbo dínamo desta película é Ben Kingsley interpretando Fagin. A grotesca criação de Dickens sofre uma versão intrigante por Kingsley, que compõe maneirismos, bem como formas de andar e falar completamente distintas. Numa plena criação, ele não se limita a pavonear com maquilhagem e peruca, pois contagia com a diversão particular que aparenta sentir. É um magistral desempenho, tanto físico como sensitivo. A louca personagem sofre as exactas doenças mentais de muitos indivíduos contemporâneos que vagueiam pelas artérias cívicas, mas tal como o mais subtil psicopata consegue disfarçar os seus sintomas.

Este filme não atinge o zénite da refulgente Obra de Polanski, mas o pulsar gótico desta versão de “Oliver Twist” estampa o cunho do autor de “Rosemary’s Baby” e “Repulsion”, alguém que escava o mal com arrepiante detalhe, numa fluente linguagem de terror. Polanski deambula nos efeitos anímicos provocados por uma forma de vitimização sistemática. As suas consternadas vítimas sofrem de uma identidade imposta e demarcada por outrem. Os familiarizados com a filmografia de Polanski, decerto verificarão como ele permanece fascinado pelas vítimas do destino (Carole Ledoux em “Repulsion”, Evelyn Mulwray em “Chinatown”, e Tess Durbeyfield em “Tess”) e na forma como elas respondem às atrocidades que são forçadas a suportar para sobreviver num mundo conspurcado.

Após fundar alguns dos mais tormentosos e inquietantes trabalhos que jamais preencheram uma tela de cinema, Polanski decidiu finalmente apresentar um filme aos seus rebentos, sem os traumatizar. Aliás, a filha Morgan tem uma breve aparição como filha de um camponês abrindo a porta a Oliver e o filho Elvis também aparece, quando Oliver sai pela primeira vez com a quadrilha para participar num furto.

Além de ser um exemplo sobre como adaptar cinematograficamente um clássico literário, “Oliver Twist” funciona como introdução aos jovens pré-adolescentes acerca do debate sobre as ambiguidades da natureza humana e social. Polanski certamente decidiu filmar “Oliver Twist” de forma familiar, motivado pela necessidade de revelar aos seus filhos qual a substância que o edificou. Seus petizes nunca ficarão órfãos do seu amor, nem a Sétima Arte ficará órfã da sua notável virtuosidade.

8 Comments:

Blogger Hitler said...

Gostei bastante da realização, banda sonora e fotografia. Estão muito boas em todo o filme.
Como muitos disseram não reinventa o genero, mas desde quando é preciso reinventar alguma coisa para ser um bom filme?
Eu pessoalmente gostei bastante do que vi!

1:26 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Plenamente de acordo. Tal como podes constatar, também admirei imenso o filme. Não é o melhor de Polanski, mas mesmo assim é um filme bem poderoso.
E o trabalho de casting... bem... parece que o romance de Dickens se materializou finalmente diante do nosso olhar. Os seres que deambulam pela tela são exactamente aqueles que imaginei aquando da leitura do livro.

9:21 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

O fim de ano em termos de estreias é do melhor :P! Com tanto filme bom, acho que vou esperar e guardar este para DVD.

1:07 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

É um realmente um final de ano apoteótico. E na próxima semana... "KING KONG"!!!!
Abraço!

2:03 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pois é este ainda não vi.
Mas vendo o poster lembrei-me de uma coisa.

Preciso da vossa ajuda.
Estou a criar um prémio para o melhor poster de cinema.
Estão colocados no meu blog os primeiros candidatos.

Se poderem passar por lá agradeço.Quantas mais opiniões melhor.

Abraço

11:28 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Lá passarei! Conta comigo.

1:08 da tarde  
Blogger susana said...

Acabei de vir de um blog que só dá 2 estrelas a este filme, aqui dás 4.Quem terá razão, a diferença ainda é grande!!!

10:25 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

A Arte toca-nos individualmente (como costumo exacerbadamente dizer). Pessoalmente, gostei bastante.

1:30 da tarde  

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