quinta-feira, janeiro 19, 2006

"Corpse Bride", de Tim Burton e Mike Johnson

Class.:



Animação de tombar o queixo… literalmente!

Seja na direcção de extra-terrestres, macacos, homens-morcego ou mortos, Tim Burton nunca se abstraiu de duas paixões temáticas: a alusão a uma realidade distinta daquela que experimentamos e a colisão de universos. A fábula “Corpse Bride” começa com os preparativos para as bodas de Victor Van Dorst com Victoria Everglot. Ambos se conhecem apenas na véspera do casamento, já que a sua união foi arranjada pelos pais, numa era Victoriana. Apesar do crescente enamoro por Victoria, Victor atrapalha-se durante o ensaio para a cerimónia e desorientado, acaba na sinistra floresta que circunda a cidade onde vive. Sem querer, acaba por desposar a Noiva Cadáver, uma jovem abandonada e assassinada por um suposto pretendente, que jurou não descansar em paz até encontrar o verdadeiro amor. Victor é então arrastado para o lar da putrefacta esposa: a Terra dos Mortos.
O refinado gracejo do filme consiste na disparidade entre a soturnidade da vida e o júbilo que regula o mundo dos mortos. O mundo real é pincelado numa coloração lúgubre, enquanto na Terra dos Mortos as ruas são banhadas por explosões de cores e povoadas por esqueletos, cadáveres desmembrados e em decomposição que circulam em constante folia. É como se as pessoas tivessem sido libertadas das constrições e hipocrisia que oprimem aqueles que vivem acima do solo. Até a pálida face de Victor adquire uma leve tonalidade rosada, neste peculiar local.

Tim Burton tem sucesso novamente, ao moldar a sua devoção às técnicas de animação tradicionais, convertendo-a num triunfo de marketing. Fica novamente provado que Burton opera melhor quando a sua indomável imaginação não é filtrada por raios de acção constritos. Tecnicamente, “Corpse Bride” resulta de um laborioso processo (Animação Stop-Motion) que tem ressurgido nos últimos anos, pois oferece aos animadores uma excelsa alternativa às intimidações do CGI. A incidência de luz real contornando de forma inefável um objecto físico, dificilmente virá a ser suplantada no seu encanto.


“Corpse Bride” apresenta uma técnica mais polida que aquela apresentada em 1993 com “The Nightmare Before Christmas” (afinal de contas já passou uma década), mas é efectivamente menos distinto que o predecessor. É certo que os filmes exploram diferentes sensibilidades, pois enquanto “The Nightmare Before Christmas” era a visão de Burton sobre o Natal, “Corpse Bride” é a sua visão do matrimónio, mas até as canções de Danny Elfman são menos memoráveis que aquelas apresentadas em filmes predecessores, revelando uma inquietante insistência em reciclar notas já compostas e quebrando o ritmo da narrativa na longa e entediante apresentação da história da noiva. Contudo existem momentos de rara beleza musical (como o solo de piano de Victor) e a composição final comporta um delicado equilíbrio entre o arrepiante e o extravagante.
Uma das curiosidades é constatar novamente o fetiche de Burton por mulheres desmembradas. Sob a genial camada formada pela temática de autor de Burton, por deliciosas alusões cinematográficas (desde filmes de horror, até uma especial a “Gone with the Wind” com a mítica frase «Frankly my dear, i don't give a damn») e divertidas piadas visuais, existe um âmago polvilhado pela exacta ternura e encanto que impulsionam fábulas a ressoar de geração em geração.
Sob o atraente humor negro e conto de fadas macabro, pulsa uma fascinante veia romântica. “Corpse Bride” é um deslumbrante poema visual, uma melancólica ode ao amor e ao sacrifício, ornamentado pela sensibilidade gótica de Burton e alguma da idoneidade musical de Elfman. Apesar das reviravoltas algo previsíveis, e do argumento algo descosido, o último quarto de hora é fenomenal, retratando a subida dos mortos ao mundo dos vivos, num hilariante derrame de humor negro que exala abundantemente em cada cena, como o aroma de um cadáver em decomposição, culminando numa representação final lustrosamente mágica. Graças ao amor, dedicação e talento que alguns animadores manifestam, “Corpse Bride” prova novamente como a animação tradicional permanece deslumbrante e longe da putrefacção.

8 Comments:

Blogger Sérgio Lopes said...

O melhor filme de animação do ano suplantando qualquer outra obra de animação por computador em 2005. Belíssima crónica (Como sempre)!

Cumprimentos,

Sérgio Lopes

10:31 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Ethan: Concordo. Também o considerei algo pequeno.

André Carita: Para mim, não chega a roçar a perfeição e a sinfonia está algo batida, repetitiva e enfadonha (numa determinada cena). Mas é um filme bem acima da média.
Abraço!

Sérgio Lopes: 2005 foi um ano fraquíssimo (em termos de qualidade) para a animação digital. Parece que apenas a Pixar transporta esta animação às costas, pois as restantes apenas acertam na qualidade de vez em quando.

A animação tradicional trinfou em 2005 com "Corpse Bride", com o fabuloso "Wallace and Gromit in the Curse of the Were-Rabbit" e com "Hauru no ugoku shiro" do mestre Miyasaki.

Abraço!

12:16 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Estamos todos de acordo, portanto. :)

Abraço!

11:42 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

é verdade em relação à banda sonora, existem algumas ideias retiradas de charlie&the chocolate factory, provavelmente Elfman teve um ano atarefado e não teve tempo de criar novas composições... não se pode acertar sempre :) Mas gostei na mesma... Em relação ao filme, apesar de curto é ffantástico como Burton consegue sempre criar mundos imaginários dignos de serem conhecidos e vividos...

11:19 da tarde  
Blogger Pedro_Ginja said...

Um dos melhores do ano.
Sem dúvida...
Tim burton está sempre em grande...

Em relação ao Danny Elfman está como sempre muito bem.
Os compositores têm sempre uma marca registada na sua música. Qualquer um...Por isso é natural que pareça tudo a mesma coisa...
Mas não acho...
São duas bandas sonoras Danny Elfman obviamente mas com sensibilidades bem diferentes...

10:26 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

membio: Digamos que Elfman já fez e sabe fazer muito melhor.

Pedro Ginja: Quanto à composição musical discordamos, mas em relação ao filme no seu geral a opinião é unânime.

12:52 da tarde  
Blogger Cláudio Barradas said...

Realmente um filme brutal, mestralmente conseguido, porque por um mestre conduzido... sem mais palavras.

Francisco, muitos parabéns pelo blog, para a tua tenra idade és possuidor de uma cultura bem acima da média, mais uma vez, muitos parabéns.

Cláudio Barradas
Hot Fuzz: http://naoadireito.blogspot.com/

12:03 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Muito obrigado e bem-vindo!

12:49 da tarde  

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