sexta-feira, fevereiro 24, 2006

"Metropolis", de Fritz Lang

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Ballet Sci-Fi
Metropolis” estreou em 1927, permaneceu em exibição durante uma única semana em solo germânico e depois foi severamente retalhado por distribuidoras alemãs e americanas. Na altura, decidiram que os 153 minutos de duração eram responsáveis pelo fracasso de bilheteira. Irremediavelmente, a versão original de Fritz Lang jamais será montada novamente (25% foi considerado perdido para a eternidade), mas a última tentativa de reconstituição presenteia-nos com a versão mais aproximada de sempre. Uma equipa de especialistas recuperou os fragmentos dispersos, retocou-os com a original composição musical de Gottfried Huppertz e uniu-os numa película de 35mm com delicada veneração.

Com a sua explosiva fusão de acção futurista, subcamada política, coordenadas religiosas e encenação sensual, a película foi sempre afamada, mesmo na sua forma mutilada. “Metropolis” ilustra uma sociedade futura, que tal como os mundos da Ópera Alemã é dicotómica, dividida entre deuses e mortais. A burguesia hedonística vive numa gloriosa metrópole com traços arquitectónicos visionários e o proletariado labuta no subsolo para manter a refulgência da cidade. Quando Freder (Gustav Frohlich), filho do administrador da cidade Joh Frederson (Alfred Abel), se aventura sob a superfície pela primeira vez, após tomar contacto com a bela e pura Maria (Brigitte Helm), fica chocado com a sua descoberta. Maria apregoa o surgimento de um mediador para reconciliar as duas metades da sociedade, mas enquanto Freder se apaixona por Maria, o seu pai julga que a influência da rapariga junto dos trabalhadores poderá ser daninha e projecta junto do cientista Dr. Rotwang (Rudolf Klein Rogge) um clone robotizado de Maria, para a substituir. O conto é uma mistura de alegorias religiosas (a revolta dos operários é liderada por uma figura de Madonna – Maria – que os coloca em contacto com o salvador) com a luta de classes sociais. O moral da história é: «O mediador entre a mente e as mãos é o coração». A «mente» representa os intelectuais da sociedade, as «mãos» são o proletariado e o «coração» será a compaixão humana que unirá os dois pólos em concordância.

Fritz Lang (que fugiu para Hollywood, após Hitler o convidar para dirigir a indústria cinematográfica nazi, através do seu chefe de propaganda Joseph Goebbels) é um dos profetas da Sétima Arte. A sua visão revolucionária e as suas raízes artísticas transferiram plateias para o futuro. Durante a era do cinema mudo, Lang teve a oportunidade de expandir as suas visões pelos primais espasmos de filme-noir, de thrillers paranóicos de espionagem e de ficção científica épica. “Metropolis” é porventura a sua película mais célebre, mas além desta extraordinária Ópera celulóide existem outras películas obrigatórias na sua filmografia, como a primeira longa-metragem sobre um serial-killer “M”, ou “Nibelungen: Siegfried, Die”, restaurado mais tarde por F.W. Murnau (autor do brilhante "Sunrise"), por exemplo.

Ridley Scott, Ingmar Bergman, Stanley Kubrick, George Lucas, Steven Spielberg, e outros tantos realizadores encontram-se em dívida para Fritz Lang. Visionar “Metropolis” significa depararmo-nos com fantasmas do futuro, sejam eles sociais (a vídeochamada) ou cinematográficos: o cientista louco (Dr. Rotwang) é evocado por Kubrick em Dr. Strangelove (interpretado por Peter Sellers); o elemento temático ilustra o fosso entre a classe operária e as hierarquias superiores pode ser encontrado em múltiplos filmes, desde “Modern Times” de Charles Chaplin a “The Hudsucker Proxy” dos irmãos Coen. Rico metaforicamente, a revolta operária exibida pelo filme, coloca em risco a vida das suas crianças, ou seja, o futuro. Eram os primeiros passos no Cinema da relação Homem-Máquina, aludindo às repercussões das máquinas na sociedade, com Lang a dramatizar estilisticamente a profunda ambivalência de um futuro “artificial”, retratado com exaltação e inquietação. Seja em “The Matrix”, “Blade Runner”, “Star Wars” ou “Akira”, encontramos impressões desta relíquia espalhadas por múltiplos objectos cinematográficos. Até os truques para ampliar os edifícios e encolher os cidadãos, foram utilizados por Peter Jackson para encolher os hobbits em “The Lord of the Rings”.

Apesar da sua inquestionável influência, Lang também buscou inspiração em obras predecessoras. “Metropolis” é considerado por muitos como o primeiro grande filme de ficção científica, mas apesar da dificuldade em definir concretamente o termo «grande», a afirmação encontra-se algo errada. Em 1924, Yakov Protazanov realizou “Aelita”, cujos cenários subterrâneos, bem como os seus pilares e rampas trapezoidais serviram de inspiração na criação de “Metropolis”. Além disso, o futuro decomposto por Lang encontra-se em débito para com H. G. Wells e o seu romance de 1895, “The Time Machine” (a mais influente obra de Ficção Científica). Wells apresenta um futuro no qual os descendentes de capitalistas abastados vivem requintadamente à superfície, enquanto os trabalhadores operam no subterrâneo com maquinaria. “Metropolis” aparenta uma dicotomia idêntica, mas enquanto a aproximação de Wells é essencialmente Marxista e inflamada por revolta, Lang adopta uma inspiração religiosa para a reconciliação entre classes. “The Four Horsemen of the Apocalypse” (1921) de Rex Ingram, também serviu de fonte inspirativa. No seu filme, Ingram interrompe a narrativa moderna, para dramatizar uma simbólica passagem bíblica. De forma análoga, Lang dramatiza a passagem bíblica da Torre de Babel através da sua personagem Maria.

Existe uma panóplia de cenas memoráveis, desde explosões, inundações, uma célebre dança lasciva, a Torre de Babel, o auto da “bruxa” na fogueira, a sincronia aterradora de uma infindável coluna de operários a laborar, a pose de Freder na máquina do relógio assemelhando-se a Cristo na cruz, a monstruosa máquina «M» revelada num momento fantasista para encarnar o fenício deus Moloch, do Antigo Testamento Bíblico, em honra do qual mães imolavam os próprios filhos. O filme abona ilustres visuais sumptuosos, minuciosamente delineados para conduzir a história. Desde as espirais que vibram Arte Deco ao longo dos seus segmentos, aformoseando a cidade, até ao labiríntico antro subterrâneo dos operários, “Metropolis” é um influente, inspirador e deslumbrante espectáculo cinemático, portador de primorosos artefactos que poderiam constar em galerias de Arte Moderna. O filme é maioritariamente Arte Deco. Usualmente associam a primeira demonstração de Arte Deco a “Our Dancing Daughters” (1928) de Harry Beaumont, mas “Metropolis” manifesta o tradicional padrão geométrico da respectiva Arte um pouco por todo o lado, desde a entrada do clube nocturno Yoshiwara ou na mobília do escritório de Joh Frederson.

Metropolis” cativa com a sua direcção artística inspirada, pois visionamos os actores contraindo os olhos para indicar medo, arregalando-os para evidenciar espanto, batendo literalmente o peito para demonstrar paixão, retesando a fisionomia para expressar cólera. “Metropolis” é um exemplo categórico do Expressionismo Alemão. A ambiguidade da sua visão originou um sortido de interpretações, desde um alerta contra o despotismo fascista até à tirania capitalista, contudo “Metropolis” deverá ser encarado como a alegoria de uma época de aflição. Mesmo para os parâmetros do cinema mudo, Lang fez de “Metropolis” um dos filmes mais operativos de sempre, resultando num altamente estilizado ballet industrial.

13 Comments:

Blogger Francisco Mendes said...

Mas que raios... Já está corrigida a confusão. Referia-me a "Nibelungos 1: A morte de Siegfried", restaurado mais tarde pelo autor do brilhante "Aurora": F. W. Murnau.

Obrigado e desculpa a confusão... é o que dá não voltarmos a ler atentamente, o que escrevemos de forma tão embrenhada... :/

Graças ao FANTAS, vi ontém numa tela (pequena) de Cinema esta relíquia!

2:28 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

É um clássico influente. Vi-o numa idade bem pueril, e fiquei siderado. Imperdível!

Abraço!

7:27 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Vai estando atento à programação da Cinemateca.
Sinto-me realmente privilegiado, pela oportunidade que o FANTAS me concedeu.

Abraço!

12:24 da manhã  
Blogger Pure_Water said...

Este filme não conhecia, vi um Metropolis mas versão Anime e até era engraçadito.

A ver se arranjo este Metropolis :D

btw, bom texto ;)

1:29 da tarde  
Blogger Sérgio Lopes said...

Mais uma brilhante análise a um filme que anseio por ver. Quanto ao fantas, Francisco, foi lá que viste o Metropolis?

Cumprimentos,

Sérgio Lopes

www.cineasia.blogspot.com

4:35 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Pure Water: Tenta arranjar a última versão de "Metropolis". É aquela que se aproxima mais da versão original.

Mário Lopes: Tens de o arranjar!
Abraço!

Helena: Muito Obrigado.
É realmente um marco do Cinema. Não é realmente o expoente máximo da filmografia de Lang, mas é uma Obra-Prima avassaladora.

Sérgio: Foi. Vi-o na passada quinta-feira no FANTAS. Pena o Pequeno Auditório ter um ecrã tão diminuto, mas a experiência foi inesquecível.
Abraço!

10:11 da manhã  
Blogger Pedro_Ginja said...

És aí do Porto ou tiveste de te deslocar..??

Quem me dera estar aí por perto durante o Fantas mas até agora nunca pude visitar essa lenda dos festivais de cinema. Um dia tem de acontecer, agora quando é que não sei...

Nunca vi o Metropolis!!É verdade é imperdoável...

3:15 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Vivo a 20km.

7:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Dizem que é o maior filme de ficção científica de todos os tempo e acredtio ser bem possível.

12:44 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

É definitivamente UM dos melhores.

1:05 da tarde  
Blogger vitruviano said...

bom texto,hoje será exibido no local onde trabalho, provavelmente eu não iria assistir pq tem jogo do corinthians!Mas lendo o texto escrito por você, até fiquei interessado.muito obrigado e até mais

7:25 da tarde  
Blogger Jocele said...

O Metropolis não foi estreado em Lisboa nos anos 70?
Salvo erro no antigo cinema Universal?
João

4:02 da tarde  
Blogger Importunista said...

Cara, muito bom o texto. Realmente Dr. Fantástico lembra muito Metrópolis, que particularmente eu acho o melhor de Kubrick. O filme me lembrou muito 1984 também!

10:03 da manhã  

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