sexta-feira, março 03, 2006

"Three... Extremes", de Fruit Chan, Park Chan-wook e Takashi Miike

Class.:



A poesia do horror

Três superiores realizadores asiáticos uniram-se para a criação de uma Antologia de Horror. Fruit Chan (Hong Kong), Park Chan-wook (Coreia do Sul) e Takashi Miike (Japão), mantêm em “Three… Extremes” uma admirável consistência num mecanismo que raramente singra. O segredo do êxito deve-se ao facto dos cineastas empregarem o máximo das suas capacidades, numa obra dividida em três segmentos (40 minutos cada) que representam autênticas pérolas técnicas.


Dumplings” de Fruit Chan abre as hostilidades e representa o único dos três contos que possui uma longa-metragem. Uma actriz que já passou o apogeu da sua carreira, teme o envelhecimento e procura qualquer género de fonte da juventude para suprimir as rugas que a apoquentam. Uma enigmática cozinheira aparenta possuir o tratamento eficaz na forma de dumplings (típica iguaria chinesa). Os ingredientes são misteriosos, mas será que a descoberta dos mesmos lhe fará qualquer diferença na prossecução da dieta?
Dumplings” não é alvo de uma concepção propriamente assustadora, mas investe numa configuração mórbida, com fatias de brilhante sátira social. É uma representação literal da corrupção moral, como preço para o fetichismo da beleza física e ironiza ainda de forma magistral com as suspeitas ocidentais, relativamente ao exotismo da cozinha oriental. Um dos aspectos memoráveis é o sideral trabalho fotográfico de Christopher Doyle (“2046”, “Chungking Express”, “Hero”). Doyle é um dos melhores Directores de Fotografia em actividade e o seu genial trabalho em “Dumplings” filtra imagens com magníficas camadas de distorção. Fruit Chan elabora uma composição invulgar que poderá suscitar sentimentos truncados, mas funciona literalmente como um delicioso aperitivo, para o nutritivo prato principal representado pela longa versão.



Cut” de Park Chan-wook explora com suprema ironia o género do Horror, construindo um retrato sobre os intrínsecos vícios humanos. Um realizador de cinema vê-se aprisionado com a mulher no cenário de um dos seus filmes, por alguém que o acusa de ser demasiado bondoso. O raptor exige que o cineasta mate uma criança na sua presença, para lhe provar que possui uma faceta viciosa. Cada hesitação custará um dedo da sua mulher.
O segundo segmento do tríptico macabro é aquele que explana de forma superior, inventivos engenhos de realização. Apesar do curto espaço de tempo, Park ministra uma viagem grotesca entre uma linha sangrenta que divide a Arte da Realidade, misturando tensão e humor sublimes para gerar um efervescente receptáculo emocional. Através da sua distinta sensibilidade barroca, com uma encenação lustrosa, excepcionais ângulos de filmagem com zooms digitais inacreditáveis (apenas igualado na perícia por David Fincher), sarcástico humor negro e uma manipulação sonora envolvente, Park assegura um elevado nível artífice no seu ensaio sobre a loucura, arrebatando num poderoso acorde visceral.



O segmento de Takashi Miike intitula-se “Box” e aqueles que frequentam a porção brutal da sua filmografia, poderão estranhar o seu visionamento graças à subtileza aplicada por Miike, mantendo o terror oculto. Uma escritora vive atormentada por sonhos recorrentes nos quais é envolta em plástico e enterrada viva dentro de uma caixa. Para entender as assombrações que sofre no presente, invoca memórias do passado e da irmã, quando eram crianças contorcionistas no circo do pai.
O último segmento é o mais abstracto e menos acessível da antologia. “Box” inicia sereno, silencioso e convidativo, mas como “Audition” o provou no passado, tal quietude poderá significar o preliminar de uma deflagração medonha. Numa precipitada avaliação poderá assemelhar-se a um superficial conto de vingança sobrenatural, mas a sua natureza flutuante, bem como a sua conclusão ambígua imprimem-lhe poder para assombrar cogitações pós-visionamento. Assente num prodigioso caos estrutural, a coerência e lógica perdem significado pois deambulamos por uma atmosfera de sonho, ou mais concretamente: pós-despertar de sonho. É uma reflexão etérea sobre o poder da culpa e sobre o peso do pecado (inveja), lavrada num ambiente utópico.

Quando esta compilação de Horror Asiático não se concentra em revolver as nossas entranhas, um elegante nível poético emerge, salientando o esforço e dedicação de todos os intervenientes. Muitos clamam a inexistência de um tema que una as curtas entre si e realmente não existe «um» tema que as una… existem vários! Para além da referenciada perversidade do Cinema de Horror do seu continente de origem, existe o hipnótico efeito pós-pesadelo numa surreal demonstração do mal que o ser humano perpetua relativamente ao próximo, existe a exploração da peleja humana com a sua mortalidade e ainda a dissecação das artérias degeneradas do ideal de beleza feminino. Adornado com as convenções da própria cultura asiática, o produto final decompõe temas universais com elevado brio técnico, empregando o horror extremo para aflorar hiatos sociais, putrefacções do espírito humano e legítimos receios quotidianos.

4 Comments:

Blogger Francisco Mendes said...

Estreia dia 16 no circuito nacional.

Abraço!

7:54 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Miguel: Percebo perfeitamente o sentimento truncado que "Dumplings" possa provocar, mas pessoalmente fiquei siderado com a fotografia de Doyle e com as duas subtis sátiras.
Abraço!

André Batista: Se não houver adiamentos, daqui a duas semanas podes satisfazer a curiosidade.
Cumprimentos.

11:25 da manhã  
Blogger not_alone said...

Tenho, tenho, tenho, tenho de ver isto! Raios partam as distribuidoras nacionais que andam sempre a alterar as datas de estreia.

11:48 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

E este já foi alterado algumas vezes. Graças ao FANTAS, saciei a curiosidade... e de que maneira!

1:21 da tarde  

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