sexta-feira, maio 26, 2006

"The Da Vinci Code", de Ron Howard

Class.:



O código do Acólito Cinematográfico

Para aqueles que acabaram de regressar de um retiro espiritual de três anos, fiquem sabendo que “The Da Vinci Code” é baseado no mega bestseller de Dan Brown e segue uma guerra silenciosa entre dois grupos secretos, sobre uma informação que poderia destruir as fundações da Igreja Católica. Para adensar o enredo, pistas sobre esta conspiração encontram-se simbolicamente derramadas em pinturas de Leonardo da Vinci. Será que vem aí algo arriscado e excitante? Depende… se pertencerem ao género de pessoas que fica entusiasmada com a picada de uma mosca tsé-tsé, então este é o filme da vossa vida.
Como será possível que as pessoas recorram à pirataria (quando muito) em detrimento da sala de cinema para visionarem, por exemplo, “Requiem for a Dream” e quando uma mediocridade como “The Da Vinci Code” entra em exibição, parecem enxames a invadir uma sala de Cinema? Este filme assemelha-se a um audiobook ao ser meramente recitado em detrimento do poder interpretativo do seu conceituado elenco. Uma das regras de um sólido filme de suspense, é pura e simplesmente esta: Mostrar, sem pregações. Mesmo quando não coloca os seus actores a declamar o livro, Howard giza os acontecimentos com pinceladas medíocres. Exceptuando a poderosa reprodução do acidente de viação dos pais de Sophie, Howard concebe flashbacks com as vibrações letárgicas de um colóquio académico, debatendo numa técnica moribunda os enigmas que se atravessam no caminho dos protagonistas. As revelações ditas chocantes, representam no filme simplórias palestras doutrinais. As descobertas deveriam deixar o público sem fôlego, mas o resultado são bocejos monumentais.



Um dos grandes responsáveis pela indigência é Akiva Goldsman. Ele é o responsável pelo argumento miserável que relembra o facto de ter participado nas paupérrimas sequelas de Joel Schumacher para a saga “Batman”. Goldsman mortifica a narrativa com a intensidade das auto-flagelações de Silas. É um feito quase inédito conseguir de uma só penada erradicar todos os indícios de suspense, misticismo e fogo erótico do romance-base. As personagens são tão descoloradas como o próprio Silas, comportando-se como peças de um presépio colocadas em posições predeterminadas. A exposição de figuras históricas é tratada como um breve parágrafo da Wikipedia e quando os protagonistas param para explicar algo, assemelham-se a notas de rodapé. É um autêntico crime cinematográfico, possuir no elenco um divino leque de actores e presenteá-los com um argumento sem qualquer matéria dramática para ser trabalhada. Fora do seu habitat natural, Tom Hanks (Robert Langdon) vagueia completamente à deriva num dos desempenhos mais desinteressantes da sua carreira. Graças ao receio de ofender, o filme torna-se sisudo e até dispara pela boca de Hanks discursos solenes para amansar o criticismo. A ausência de química entre Hanks e Tautou expõe de forma lancinante a nula diversão. Audrey Tautou (Sophie Neveu) chega mesmo a conspurcar a imagem melíflua que edificou em filmes predecessores. Ian McKellen (Sir Leigh Teabing) e Paul Bettany (Silas) são os únicos que aparentam paixão pelo material. Bettany escava na complexidade da personagem, conectando a mortificação da carne com os atrofio da respectiva alma. Imerso no material e divertindo-se cabalmente, McKellen jorra luz na tonalidade macambúzia do filme, declamando entusiasticamente as suas linhas como se tivessem sido redigidas por Shakespeare.
Ao favorecer a exposição sobre as ideias, o filme asfixia os fascinantes créditos conspirativos da sua história, ou seja, que a religião possui origens e que ao acolhê-la de forma dogmática, o Homem afasta-se inconscientemente da perseguição das verdades da humanidade. O filme necessitava de uma mentalidade visionária, mas a solenidade vigente acentua a ausência de um comprometimento sério. Em modo auto-piloto, Howard vagueia pelas noções do romance sem o intuito de provocar muitas ondas e torna-se mais provável o espectador responder às espirais melódicas de Hans Zimmer que apossam o final, do que às imagens em si. Nem o movimento da câmara consegue disfarçar a inércia dramática.

O realizador Ron Howard é um infeliz Acólito Cinematográfico, subserviente de arquétipos convencionais do meio, subserviente tarefeiro e subserviente dos fãs do livro. Ensopado pelo receio de ser crucificado pelos fãs por deixar uma linha de texto fora do filme, o reverente Howard olvida a inclusão de ingredientes cinematográficos estimulantes. Ao invés de gerar uma ode à Divindade Feminina, o mediano cineasta nunca acciona as paixões vívidas que residem nas entrelinhas, nem domina as particularidades que elevaram o romance ao estatuto de fenómeno. Com o suporte de uma matéria inquietante que impele a revisitação de referências icónicas e poderia ecoar de forma exímia num mundo cada vez mais sisudo e apático em termos de crença religiosa, Howard age como um mero tarefeiro, despachando o serviço com uma lancinante ausência de sensibilidade, vivacidade, arrojo e engenho. Supostamente um filme deste género deveria fluir com a velocidade de um Ferrari, mas “The Da Vinci Code” move-se com o ritmo de uma procissão Papal.

6 Comments:

Blogger RPM said...

bom dia Francisco.....

mais um texto sobre o código....

olha..aproveita os dias do SBSR, usa o teu CÓDIGO e deixa o Dan e do Ron na prateleira...

um abração de bom fim de semana

RPM

9:02 da manhã  
Blogger Pedro_Ginja said...

Este filme vai ser completamente e pessoalmente, justamente arrasado...

Eu vou para o 4/10, o que não deixa de ser negativo e para mim equivale a 1 estrela, logo estamos de acordo.
Até parecia um daqueles telefilmes manhosos mas este com actores conhecidos.

Enfim...

Abraço

11:23 da manhã  
Blogger RPM said...

ohhhhhh!!!!

o Francisco ainda não colocou nenhum texto hoje porque o seu momemto ZEN está a demorar....

o SBock-SRock fez estoirar a imaginação...ou foi os Placebo???

um abraço de bom sábado

RPM

6:23 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Rui: Oh meu amigo... os fins-de-semana são para descansar... ainda para mais depois da montanha-russa de emoções de Sexta.

Abraço!

Pedro: Como se explica tanta facturação?... Enfim...

Abraço!

Miguel: Quanto a Placebo... digamos que já fizeram bem melhor no nosso país.

Abraço!

Helena: Apesar de não ser fã do livro, admito que também fui bem mais entusiasmado pela leitura do que pelo visionamento proporcionado por Howard.

Mário: Fico à espera.

Abraço!

180min: Sabes como é... Fast Food faz mal à saúde.

9:51 da manhã  
Blogger isabel said...

Vi ontem, no conforto do sofa...ups...mas se nao fosse assim nem ia ver, dadas as criticas tao arrasadoras.

E parece que fiquei a fazer parte dos poucos que gostaram. Talvez por ter podido fazer uma pausa, porque realmente o filme e super longo.

O Silas nao tem nada a ver (fisicamente) com o personagem do livro e a cena do carro em marcha atras pelas ruas de Paris tambem deixa muito a desejar.

Mas, como disse noutro post, achei bem detalhado, a fazer com que o espectador fique com vontade de pesquisar mais sobre o assunto em questao.

Gostos!

Ah adorei a sugestao dos morangos! Eu e o meu namorado ja conheciamos :pp

Beijinhos :)

8:57 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Cá para mim, gostaste do filme porque não tiveste de pagar o preço de um bilhete... só pode. ;)

Quanto à sugestão dos morangos... Viva os rituais de arrebatamento metafísico! :P

9:02 da manhã  

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