sábado, fevereiro 24, 2007

"El Laberinto del Fauno", de Guillermo Del Toro

Class.:



Tenebrosas rimas visuais

Esta Obra-Prima arranca com «Era uma vez…», mas a partir daí torna-se impecavelmente específica. Enraizado no paralelismo de dois mundos, “El Laberinto del Fauno” expande a partir de um cenário onde elementos fantásticos são embutidos nos horrores reais de uma Espanha totalitária, providenciando uma janela para a mente de uma criança que procura refúgio da barbaridade e tristeza que gravitam em seu torno. Será que este subterfúgio a faz tombar num portal para uma realidade alternativa, ou será tudo conjurado pela sua fértil imaginação?

Quando o fascismo oprime o território, as únicas opções dos cidadãos são a submissão ou a resistência camuflada. Para uma criança, um ser cuja socialização requer uma determinada soma de repressões nos impulsos de identidade, tal ambiente torna-se tão complexo, que uma retirada para o abrigo da imaginação poderá ser a solução mais viável. Mas tendo em conta a dimensão da atrocidade palpável no mundo real, como será a trama que reveste o reino quimérico?
Arvorar um filme em torno de uma criança não torna implícita a fofa ramificação de um floreado familiar luzidio. E uma das inúmeras qualidades de Guillermo Del Toro é compor com prodigiosos laivos fantasistas, a perspectiva do mundo sob a óptica de uma criança: repleto de magia aconchegante e protectora, mas igualmente hostil e ameaçador numa frequência aterradora.



É raro contemplar um filme que mesmeriza com tamanha excelência abrangente, embrulhando profundidade temática, envolvência dramática e estímulos visuais com laços de originalidade. “El Laberinto del Fauno” é uma visão transcendental filmada com poesia vibrante. Sua interpretação emerge do seu visual em vez de ser subjugada pelo mesmo e desta forma, Del Toro ministra sensações genuínas para estimular a reflexão. Em “Cronos” (1993), já demonstrava engenho na manipulação do género fantástico, mas “El Espinazo del Diablo” (2001) ascendeu-o ao Olimpo que acolhe os deuses fantasistas contemporâneos. O filme, também assente nas sombras da guerra civil espanhola, era um conto de fantasmas com sensibilidade política na exposição de espectros da História. Todavia, com seus perigos omnipresentes refinando a narrativa, “El Laberinto del Fauno” torna fantasmas similares em visões robustas e bem mais claras de demónios de carne, osso e sangue. A produção é maravilhosa e uma das suas relíquias é o design sonoro, envolvendo de forma sublime os sentidos. Amplificando ruídos miúdos como os queixumes nocturnos do soalho ou o tilintar metálico de uma lâmina desfazendo a barba, a película providencia uma poderosa experiência audiovisual. Evitando os estardalhaços sonoros que provocam sobressaltos fúteis, predomina o ajuizado investimento num chiar gorgolejante que nos eleva a pulsação, adensando a inquietação das imagens que se formam na tela e na mente.

A magistralidade da realização do cineasta mexicano fica asseverada em criativas rimas visuais, numa transposição fluida entre realidade e fantasia. A forma como os mundos são fundidos é assustadoramente perfeita. A inspirada imagética depaupera pesadelos e recantos sombrios da imaginação, quando equiparados com os demónios da realidade. “El Laberinto del Fauno” é uma fábula negra que ecoa em todos os seus recantos a inevitabilidade de um mito intemporal. É uma fábula para adultos, seres que pela urgência da assimilação do mundo que os envolve, elaboram um ângulo de visão que deturpa e consome algumas almas ao longo do caminho. Daí a relevância de uma criança no coração da obra, no centro do tumulto de uma nação que luta pela sua definição. Os instintos surreais de Del Toro orientam-se através de um olho moral, num território repleto de subtexto e significado. A ressonância é inebriante. Os conflitos entre o ilusório e o real reforçam-se mutuamente com subtileza, na exploração do poder, da corrupção, da resistência e da inocência. O filme é um tributo ao poder esplendoroso da imaginação e seu cariz ambíguo é determinante para a sua coerência final. Conduzindo-nos à raiz da fantasia e do horror com drama psicológico perfeitamente imbuído, Guillermo Del Toro prova eloquentemente seu estatuto de cartógrafo da História do Encanto. “El Laberinto del Fauno” é uma Obra de Arte que questiona os limites da Fantasia. Fantasia essa, que representa o punhal dos inocentes na demanda pela transcendência sobre as forças do mal.



P.S. 1: Este filme foi visionado na Sessão de Abertura do 27º Fantasporto.
P.S. 2: Peço desculpa pela intermitência das actualizações, mas tenho-me debatido com problemas informáticos e o vagar para aferir a sua gravidade não é muito, pois o FANTAS usurpa-me deliciosamente o tempo. Todavia, conto resolver o problema da forma mais célere possível. A ver vamos…
P.S. 3: Não deixem de marcar presença no FANTAS. Hoje é dia de “Time” e “The Host”, entre outros.

16 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não podia começar de outra maneira....

1:51 da tarde  
Blogger José Miguel said...

Amigo Francisco, infelizmente não pude ir assistir a este mas espero ir ao novo do Darren Aronofsky - The Fountain.

Na altura certa divulgarei também a minha opinião sobre este novo filme.

Os bilhetes por acaso não têm esgotado com facilidade? Só se pode comprar na véspera...

12:38 da tarde  
Blogger RPM said...

meu amigo!

Bom Fantas sem Fanta......limão ou laranja!

Abraço de amizade

RPM

6:16 da tarde  
Blogger PintoRibeiro said...

E que peensas tu de Babbel? Boa noite e abraço.

7:02 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Como você mesmo disse: uma obra-prima! Finalmente alguém (no caso, Guillermo del Toro) capaz de nos contar uma fábula digna do gênero (e não aquela enganação hollywoodiana chamada Harry Potter). O mímico Doug Jones é simplesmente fantástico (como, aliás, já tinha sido em Hellboy). Quem sabe a academia não toma vergonha na cara e reconhece o cara com o oscar de melhor filme estrangeiro (não custa nada!).

(http://claque-te.blogspot.com): Pecados Íntimos, de Todd Field.

10:09 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

180min: Começou maravilhosamente.

José Miguel: Também estarei na Sessão de Encerramento. Não poderia faltar à projecção do novo de Aronofsky.

Rui: É mais com Super Bock... :)

Abraço amigo!

PR: "Babel" é um dos melhores filmes do ano de 2006. A minha opinião mais fundamentada encontra-se na barra lateral.
Abraço!

Roberto: Bem verdade. Também admito uma enorme admiração pelo trabalho que Doug Jones tem vindo a desenvolver. Neste filme, além do Fauno, interpreta o Pale Man numa das melhores cenas do filme.

9:07 da manhã  
Blogger brain-mixer said...

Que inveja... :P
Quem me dera viver no Porto por estas alturas!

6:25 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

é realmente uma fabula que era necessária dentro do universo da fantasia, e nada melhor que Del Toro para a contar, ele que sempre teve a tendência para dar mais aos projectos do que eles necessariamente ofereciam no inicio, como foi o caso de Hellboy... que só não foi pior como se estava à espera, se não fosse o seu toque especial...

1:11 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Edgar: E na quinta temos "Paprika" :P

Membio: Será que é desta que o público reconhece definitivamente o talento de Del Toro?

8:32 da manhã  
Blogger Loot said...

Não vou ler o teu comentário ainda, porque não vi o filme. Mas se deste 5 estrelas parece que a expectativa vai ser saciada.
Abraço

10:37 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Será bastante saciada.

Abraço!

11:12 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Lamento não concordar contigo, embora tenha tentado, e de certa forma percebido, o que te tocou e maravilhou tanto neste filme.
Apesar de a sua ideia ser imensa, não creio que a concretização tenha alcançado a genialidade. Queria que se mantivesse até ao fim a ambiguidade do mundo de fantasia (real ou escape interior?), esperava um prolongamento da tensão na realização das provas... Manteve-me interessada mas não me maravilhou por inteiro e, pior, não me surpreendeu nos seus desenlaces...

1:00 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

É justamente a sua coesão que transcende toda a exposição levada a cabo. Pena que os sussurros visionários de Del Toro permaneçam invisíveis para muitos, mas entendo dolorosamente a razão de tal intervalo contemplativo.

1:29 da tarde  
Blogger C. said...

"Apesar de a sua ideia ser imensa, não creio que a concretização tenha alcançado a genialidade."

De acordo com a Helena, senti que faltava algo. Quero ver se o revejo!

3:04 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Entendo e percebo esse sentimento. Mas pessoalmente, saí plenamente satisfeito.

9:18 da manhã  
Blogger Loot said...

Já vi o filme, já li o texto, numa palavra um filme mágico.

12:33 da tarde  

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