sábado, março 31, 2007

Freeze Frame

Enquanto revisitava o remakeDawn of the Dead” e passava pela cena do zombie-bebé, recordei o inquietante parto ministrado por David Cronenberg em “The Fly” e relembrei a minha admiração pelo potencial evidenciado por Zack Snyder, nesta sua estreia em longas-metragens. Não é uma obra imaculada, nem existe o subtexto sociológico do original de George Romero, mas evitando ratoeiras filosóficas, Snyder elabora um festim Gore-gásmico. Não existe comentário hodierno ao consumismo exacerbado, mas ancorado num engenho visual que respeita o género, espalha reflexões das versões contemporâneas do Horror. “Dawn of the Dead” não é uma reconstrução, mas uma re-imaginação polida, estimulante, imaginativa e robusta, que demonstra como comédia, horror e sátira podem conviver sem descenderem à mediocridade pipoqueira vigente nas grandes produções. Honrando suas origens e elevando significativamente a eficácia da sua premissa, esta película guia-se pelo Cinema em detrimento da Teoria, apoiada na nova vaga de proficiência técnica.

É nesta centelha de potencial Neoclássico que identifico Zack Snyder, prestes a estrear em Portugal o seu recente “300”, adaptação cinematográfica da BD de Frank Miller. Snyder, que já foi premiado em Cannes com um anúncio que realizou para a marca Jeep, começa a quebrar barreiras no ninho hollywoodesco, adquirindo um poder que muitos duvidavam vir a possuir. Se o seu remake de “Dawn of the Dead” surpreendeu meio mundo ao atingir o estatuto de Zombie-Movie com mais receitas de bilheteira de sempre, “300” deixou estupefactos os analistas de box-office com um sucesso inesperado. É isto que mais aprecio em Snyder: Atitude. Contra todas as conjecturas e contra os cognominados movie-geeks, Snyder expõe suas visões. “Dawn of the Dead” foi uma escolha surpreendente para remake, pois o original de Romero já representava uma sequela… e que sequela! Desafiando os fãs do Guru deste género, Snyder passou o teste com elevada notoriedade, junto da crítica e do público. Anos mais tarde, além de voltar a desafiar fanáticos, desta feita dos quadradinhos, o jovem cineasta desafia audiências que já começam a bocejar quando escutam a palavra Épico. O resultado deste arrojo poderá ser constatado por todos os portugueses, daqui a uma semana, na projecção de “300”. E qual o projecto que se segue? Nada mais, nada menos que a melhor Graphic Novel de sempre: “Watchmen” de Alan Moore, ilustrada por Dave Gibbons. Pegando num objecto com um culto incomensurável, Snyder volta a lançar-se às feras.

Só tenho pena que ainda exista quem não consiga distinguir as diferentes sensibilidades de cada género. É incontornável que exista sempre alguém a tentar sobreintelectualizar um filme. Não contesto opiniões desfavoráveis a filmes como “300”. Ainda bem que existem, sendo que algumas são modelarmente sustentadas. Mas nem todos os objectos cinematográficos edificados reclamam ou almejam profundidade. O Cinema também é símbolo de uma nova mentalidade de lazer e sendo o seu alcance tão vasto, não será o entretenimento igualmente uma forma de Arte, na medida em que mescla visuais e emoções para catapultar a imaginação? Isto reflecte a sua capacidade de evasão e desta forma a esfera do entretenimento não deveria diminuir o raio artístico de um objecto cinematográfico. Infelizmente, existe no sector que reclama o apelido de intelectual uma marginalização automática. De forma basilar, o Cinema está sujeito a três elementos essenciais da Comunicação: Emissor, Receptor e Meio. E afinal de contas, que meio de comunicação não é utilizado de alguma forma para o entretenimento? Se desejarmos, o Cinema oferece-nos um vasto cardápio de escapes: riso, choro, estremecimento, pensamento, arrebatamento, entretenimento. Basta procurar nos locais correctos os Mestres de Cerimónia exactos. E sendo o banquete tão extenso, não será um desperdício remetermo-nos a uma dieta de géneros, qual anorexia cinéfila? A constatação desta tentativa de cerebralização obstinada de tudo quanto é objecto fílmico remete-me para uma alegoria: O Gato e o Novelo. Quanto mais o Gato brinca e desenrola o Novelo, maior será o risco de se emaranhar e confundir no mesmo.

0 Comments:

Enviar um comentário

<< Home

Site Meter