sábado, abril 14, 2007

"300", de Zack Snyder

Class.:



Poesia Gore-gásmica

Sob o fulgor dourado de um céu que aparenta reflectir o ouro Persa clamando pelas suas vidas, um pequeno grupo de valentes Espartanos, esculpidos pela própria Terra, desafia o presságio de morte cravando lanças no peito do inimigo com graciosidade operática e empilhando um número ilimitado de cadáveres Persas para a edificação de uma muralha defensiva. Amontoado esse que evoca a primeira imagem do filme: uma pilha de esqueletos que representa os rejeitados filhos Espartanos, aqueles que não preenchiam os “requisitos” para a inserção na vida marcial. Todo este radicalismo estilístico torna-se fulcral no retrato dos extremos da História. Com “300”, Zack Snyder prossegue a experiência Frank Miller, transferindo para o Grande Ecrã a intensidade da muscular narrativa visual dos seus Romances Gráficos. Em vez do neo-noir de “Sin City”, “300” mergulha na mitologia da Batalha das Termópilas, travada no Verão de 480 a.C., uma das batalhas mais importantes (e ignoradas) da Humanidade, que demonstrou como não vence uma batalha apenas aquele que destrói o exército inimigo, mas sim aquele que cumpre seu objectivo. Pois ao recusarem a escravidão, ao combaterem pela Liberdade detendo os Persas nas Termópilas, os Espartanos permitiram a salvação de Atenas e, consequentemente, o nascimento da Civilização Ocidental.

Como todas as grandes histórias que são narradas desde o raiar do Homem, “300” começa à volta da fogueira, num conto extraordinário de Honra, Dever e Glória. Ciclicamente o Cinema prova a sua idoneidade na absorção de qualquer outra forma de Arte. O filme captura o visual impressionista, as mutações de perspectiva que elevam a emoção e, sobretudo, a Essência do material de origem. E aqui triunfa o exército de Snyder com os respectivos designers, coreógrafos e técnicos que colaboraram na magnífica estilização. Com especial realce para a robusta composição sonora de Tyler Bates, que depois de já ter cooperado com Zack Snyder na partitura do remake de "Dawn of the Dead", elabora uma trilha original e plena de dissonâncias, com melodias étnicas que circunscrevem numa envolvência etérea a acção entre Espartanos e Persas. A reacção emocional quanto ao heroísmo e sacrifício Espartano é accionada pela intensidade da percussão, catapultada pela utilização da sonoridade Metal, que torna a acção temporalmente contínua. A interpolação da trama protagonizada pela Rainha acaba sendo algo desnecessária à compreensão e desenvolvimento da trama, interrompendo inclusivamente a densidade da acção principal, mas de certa forma, Snyder e Miller partilham a mesma filosofia. A narração de David Wenham poderá parecer dispensável aos mais desatentos, mas serve um propósito. Não existe um profundo e típico desenvolvimento de personagens ou diálogos, pois o filme dá vida ao conto de Dilius. Bem antes da Literatura e do Cinema, o Contador de Histórias era uma das personalidades mais importantes da tribo. E ao esboçar heróis e vilões com o mínimo detalhe, Snyder acentua a aura de Lenda, relembrando que não estamos a ver História, mas a vislumbrar o despertar de uma Memória. Quem preferir realismo e reverência aos factos, que sintonize o canal televisivo História. Mas quem desejar uma experiência vibrante que amplifica o poder que uma Sala de Cinema pode ofertar, em pleno desabrochar de uma nova forma de Arte, então, sejam bem-vindos a “300”.



Filtrado até ao âmago, “300” é um supra-sumo de imagens, estilo e atitude. Pode não ofertar torvelinhos narrativos convencionais, mas como espectáculo visual é imponente, majestoso e imperdível. Nas cenas que reproduzem as batalhas épicas reina uma harmoniosa amálgama de coreografia fluida com pinturas 3-D. Desde o excelso marco estabelecido por Peter Jackson com “The Lord of the Rings”, algumas disformidades cinematográficas, desde “Troy” a “Alexander”, tentaram reviver o empolgante estrépito do choque entre espadas e escudos, mas o resultado foi um monumental bocejo. Snyder triunfa na criação de batalhas distintas, repletas de acção cuja coreografia de vibrações telepáticas merece contemplação minuciosa, com especial realce para a primeira investida, na qual os Espartanos lutam como uma unidade, uma falange na qual cada guerreiro protege o homem ao seu lado. A realização atinge pícaros de excelência neste capítulo. O dinamismo evita possíveis sensações de história antiquada, acentuando o seu cariz eterno. Cada fotograma é planeado. Todos os participantes têm a sua função e quem desviar a atenção para o segundo plano, irá verificar uma notável profundidade de campo, constatando nos figurantes as exactas porções de vigor empreendidas pelos protagonistas. Existem mais cabeças decepadas que num bom dia da Revolução Francesa, mas o caos é imprescindível. Tudo é calculado para provocar respostas emocionais quase primitivas. A edição frenética é evitada em detrimento da ferocidade de bailados de combate e Snyder utiliza instintivamente a câmara lenta para capturar e honrar o atleticismo da contenda, ofertando tempo ao espectador para sorver os visuais arrebatadores que complementam o conflito.

Aventureiro, intuitivo, ousado… pessoalmente, considero o trabalho de Zack Snyder uma arrojada obra de Arte. Em “300” servem-se de um facto real, transformando-o em mitologia, ao contrário do mais comum, que é tornar realidade um feito mitológico. Torna-se impossível ficar indiferente a imagens como a Árvore dos Cadáveres, como a sombra do lobo morto pelo jovem Leónidas no desfiladeiro aludindo à ferocidade do mundo exterior, como a dança bruxuleantemente sensual da Oráculo, ou como a chuva que açoita os Persas e baptiza os Espartanos para o seu derradeiro combate. Deliciosamente leviano, o seu encanto estético advém do contraste entre cores extremas. Num território helénico que aparenta ter sido demolhado em chocolate, a noite recebe os frios tons metálicos das lâminas das lanças e espadas, enquanto o dia se encontra banhado no bronze quente dos escudos e elmos Espartanos. Canalizado pelo seu inquestionável fluxo poético, o próprio sangue não jorra, mas irrompe em fracções que se assemelham a pétalas de rosas. Com “300”, Zack Snyder reescreve o conceito de Épico com artísticas penadas audiovisuais.

12 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olha Francisco, como costumo fazer li o teu blogue no pc do meu irmão e ele estava presente. Ele detestou este filme mas quando acabou de ler o que escreveste confessou-me que passou a ver certos pormenores de maneira diferente. Quanto a mim adorei o filme e a tua crítica. Finalmente leio alguém que interpreta cada filme consoante o género a que pertence. Mesmo que discorde quase sempre das tuas apreciações, concordo com esta e reconheço também que defendes sempre muito bem a tua posição.

Beijos

9:57 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Acima de tudo, quem comenta Cinema deverá ter sempre a percepção de que uma opinião contrária à sua é igualmente válida, desde que devidamente sustentada e desde que se evitem termos quase totalitaristas como “sobrevalorizado” ou “subvalorizado” (por exemplo), termos esses que rebaixam claramente apreciações opostas. Não existem cá Iluminados, pois acima de tudo o Cinema é Arte, veículo divino que transporta individualmente o espectador, acariciando emocionalmente as sensibilidades de cada um.

Muito obrigado pelas palavras de apreço. Bom fim-de-semana.

11:01 da manhã  
Blogger Loot said...

Como sempre mais uma belo texto sobre cinema. Concordo contigo e exactamente por tudo o que dizes sublinho que é uma experiência a ter no cinema e não em casa.
O Contador de histórias como dizes é importantíssimo, a parte da rainha nem aparece na BD, o que mostra não ser essencial, mas o filme também não perde por isso.
300 foi muito bom venha agora Watchmen :)
Abraço

11:16 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Que venha agora a adaptação cinematográfica da melhor BD de sempre. Esta sim, uma Graphic Novel tematicamente densa e repleta de nuances narrativas. É o próximo passo ideal para Snyder, mas é igualmente um desafio colossal. Quem conhece a BD sabe bem qual a escala de dificuldade a que me refiro. Este é um projecto que já passou pela mão de inúmeros cineastas e tinha mesmo de aparecer alguém com a atitude de Snyder para arregaçar mangas. Veremos como se sai, mas não querendo imitar certos Velhos do Restelo, adivinham-se muitos espinhos pelo caminho.

Abraço!

11:44 da manhã  
Blogger WiGu3L said...

Antes demais, boa tarde XD já comentei cá algumas vezes e volto de novo a fazê-los XD vi este filme ha cerca de 2 dias e realmente me surpreendeu uma vez que nao sou apreciador de filmes consierados "action" ou "epicos" (o que vai 1a grande diferença entre estes 2 conceitos) XD gostaria de dizr, em relação á "t"ua abordagem, que sinto realmente uma grande diferença em relação a forma como conceitoados (e n so) criticos abordam filmes inseridos na msm "familia" (ja para n falar dos "horror movies" e variantes) XD para esses senhores estes tipos de filmes sao sempre alvo de censura nas suas criticas, o que me irrita tremendamente XD olha, lembrei-me de 1 dos meus filmes-sensação deste ano, THE FOUNTAIN, que foi tremendeamente espesinhado, o que, aqui foi bastante elogiado XD fico deveras contente por ler criticas tao boas de se escreverem e tao diferentes do habitual XD o que é diferente é especial XD fica bem e 1 abraço

7:25 da tarde  
Blogger Carlos M. Reis said...

Estou quase tão deliciado com a tua análise, de que como fiquei com o filme.

12:57 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

eu gostei do filme mas não o considero um GRANDE filme, o visual está realmente bem conseguido e Zack conseguiu captar o universo específico de Frank Miller, só acho que o filme não consegue formar um fio condutor de clímax (tanta batalha aborrece), apesar de sabermos qual seria o final à partida, mas não deixa de ser bastante competente para o jovem realizador...

11:22 da tarde  
Blogger brain-mixer said...

"Poesia Gore-gásmica", estás com uns vocabulários, ena... Já dantes foi o INLAND EMPIRE ;)
Gosto desses neo-vocabulários!

(Ah e vou ver este amanhã)

12:16 da manhã  
Blogger RPM said...

Francisco, meu Amigo!

Aqui estou...regressei de Oz! :(

Um abraço de amizade e desculpa não te ter dito nada enquanto estava lá....as coisas passam muito depressa....

abraço de amizade e um cumprimento à Ninfa!

RPM

9:52 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

WiGu3L: Bem-vindo e obrigado pelas palavras.
Abraço!

Knoxville: Também não é caso para tanto ;)
Abraço!

membio: Sim, também não o considero um GRANDE filme, mas isso não significa que deixe de ter em elevada consideração momentos de excelência. Aguardo pelo próximo passo de Snyder.

Edgar: Meros trocadilhos e vocabulários experimentalistas de uma mente que divaga em demasia, buscando a expressão correcta para exteriorizar o sentimento. O resultado fica sempre aquém do desejado. O sentimento prevalece sempre sobre a palavra.

Rui: Quando estamos em OZ, o que importa é sorver todo o momento que desfrutamos.

Abraço amigo!

10:18 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Crítica bastante cmpleta e be formada, acho apenas que exisyte uma tautologia no fim do comentário que é transformar realidade em mito. Ou etão uma contradição despremeditada. Penso eu. Até breve

10:54 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Nos comentários que elaboro, procuro utilizar uma linguagem que reflicta elementos que na minha óptica caracterizam o objecto fílmico em questão. A tautologia é utilizada para enfatizar a redundância que denoto em certas cenas de "300".

Até breve.

9:29 da manhã  

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