sábado, maio 19, 2007

"The Fountain", de Darren Aronofsky

Class.:



Ode ao Amor Eterno

Darren Aronofsky é um caso de Amor ou Ódio, pois trata-se de um cineasta que se colocou radicalmente aparte do ninho do Cinema convencional, edificando mantras audiovisuais que resultam em jornadas de uma elevada qualidade subjectiva. Redimensionando o uso de efeitos visuais, gráficos e sonoros, o Cinema de Aronofsky alcança originalidade estilística em experiências ultra-sensoriais que originam desdobramentos da consciência. As convulsões que marcaram a pré-produção de “The Fountain” revelam os desafios que aguardam realizadores independentes quando enfrentam as normas dos grandes estúdios. As pressões poderão atingir proporções abismais e o equilíbrio entre intensidade e integridade é colocado à prova por imperativos comerciais. Mas inserido num panorama contemporâneo que submerge filmes de grande escala num asfixiante sistema de clichés, “The Fountain” triunfa como Obra visionária, intelectual, espiritual e emotiva, proporcionando uma ascensão desta plataforma mundana para um zénite de deslumbramento.



Pincelando “The Fountain” com uma extasiante, profunda e hipnótica beleza lírica, Aronofsky narra três histórias paralelas envolvendo o Amor e a Devoção a uma mulher, por uma causa: descobrir a forma de a manter viva. Destemido na forma como endereça temas amplos, o cineasta revela intelectualidade na disposição dos elementos que ofertam respostas, e sensibilidade no trilho da jornada emocional das suas personagens. Ancorado numa tangível realidade emotiva, sua Ficção Científica fica estruturada além de conceitos tecnológicos, alinhavando igualmente áreas conceptuais e ideológicas. Aronofsky emana paixão pela textura. A fotografia de Matthew Libatique é rica em complexidade e minúcia, alternando entre períodos temporais de forma fluida na acumulação de informação. A composição etérea de Clint Mansell ostenta a tribulação, a angústia, o medo, o padecimento, a esperança e o forte amor que enlaça as personagens. Elevando progressivamente o tempo do acontecimento sonoro, gera-se uma sensação de fervor e tensão que anunciam a proximidade do clímax. Tal como Sergio Leone com Ennio Morricone ou David Lynch com Angelo Badalamenti, Aronofsky e Mansell solidificaram um relacionamento que excede meros conceitos de fusão audiovisual.

Tão profundamente sentido como imaginado, “The Fountain” representa uma meditação metafísica. Uma procissão de fé, conduzida pelo Amor como combustão de uma ânsia por Eternidade. A fausta composição imagética de Aronofsky chispa fascínio assente num princípio de Luminosidade. A escuridão do Passado é dissipada pela alvura das cenas entre a Rainha e o Conquistador, vaticinando com esperança o banho de luz que nos reserva o Futuro. Futuro esse, que nos coloca no Berço das Estrelas, esse ninho familiar que o cineasta foi guarnecendo ao longo do filme, derramando Estrelas sob a forma de candeias suspensas na sala do trono da Rainha, pontilhando os aposentos dos soldados sob a forma de velas, cintilando nos brincos e pérolas do vestido da Rainha, aureolando as minúsculas lâmpadas do laboratório e até reluzindo nas lágrimas. Todos os elementos presentes no plano criam formas geométricas que orientam o olhar para um ponto nevrálgico. Nesta Obra de Arte flutuam símbolos e justaposições figurativas de um enigma que pretende agitar o pensamento e acordar o espírito. Quando no segmento do futuro se vislumbram tatuagens nos braços do explorador, apercebemo-nos que os traçados evocam os anéis que se encontram no interior da árvore que transporta na bolha. São inúmeros momentos de simbiose como este, que arrepiam a alma ao longo de “The Fountain”. Ao manter o filme insularmente intimista, Aronofsky roga por explorações individuais das emoções universais. Existe sempre um grande plano da gloriosa expressividade do rosto humano ao lado de objectos de incomensurável escala, equilibrando as abstracções surreais com o crucial significado dramático da humanidade em questão.



Na épica formação imagética de “The Fountain” existe sempre a lembrança de um objecto singelo, repleto de significado: a Aliança. Esse círculo sem princípio ou fim. Esse símbolo de Eternidade que une de forma emblemática dois amantes, proclamando que nem a vida nem a morte fazem sentido sem Amor. Amor… palavra que nunca é pronunciada, porque acima de tudo, se trata de um sentimento transcendental. O Amor compensa a fragilidade da alma humana perante a solidão ancestral de cada um. Quando o Amor invade o espírito, nossos recônditos aclaram, arejam, e as dores armazenadas fogem diante do calor desconhecido. Contudo, essas dores regressam ao seu domicílio. Amor também acarreta desespero. Desespero que se torna Alegria por cada momento em que dois amados se tocam. Desespero que beira a janela do nosso pensamento, pois a morte da cara-metade transporta sofrimento directamente proporcional ao Amor que sentimos por esse alguém. O risco de amar é a separação. Mergulhar numa relação pressupõe a possibilidade de perda, pois a tragicidade do Amor reside na constatação da Morte como experiência do limite físico da existência. O espírito sonha com um plano de permanência e contemplação, mas como lidar com a Morte? Representará mesmo o fim? Esquadrinhar respostas para sossegar o âmago, apenas trará mais tribulações. Mas Aronofsky busca a Eternidade. Propõe que nos libertemos do corpo para nos ocuparmos da Alma, deixando morrer solicitações do pensamento terreno. Se buscamos o conhecimento puro, o infinito, a imensidade, não deveríamos examinar a realidade com a Alma? Deveríamos transpor ciclicamente da esfera do inteligível para a esfera do sensível. Este sentido de transcendência representa o decifrar do conceito Platónico, do Amor como princípio metafísico que sustenta nossa existência, levando-nos a vencer a angústia da Morte e a compreender o sentido da Vida.

The Fountain” é um Poema divinamente existencialista, imerso em conjunturas meditativas e contemplativas. Seu sistema de signos articula-se para compor um discurso. Não é fundamental desvendar todas as suas verdades camufladas, mas absorver o máximo da expedição que nos imerge pelos níveis da subconsciência (princípio de qualquer contemplação artística). “The Fountain” é Romance como Revelação e Ficção Científica como Oração. Seu conteúdo é imortal. Mesmo quando os violinos gemem e gritam estridentes num final arrebatadoramente orgásmico, sente-se a pulsação de uma Obra Transcendental que sobreviverá para além de uma sala de Cinema, alojando-se no âmago de quem sorver toda a sua excelência. Darren Aronofsky entoa mantras que abrem o coração, fazendo o Amor florescer. E se o Amor não conseguir vencer as dolorosas adversidades deste mundo, pelo menos poderá transcendê-las.

23 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Finalmente fizeste a crítica ao teu aclamado filme. Nunca o vi, mas se tu o achas fantástico tenho de ver. Embora ache que o talento de Hugh Jackman não fosse nada por aí além.

9:19 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

É fascinante verificar a entrega de Jackman neste filme. A interpretação é Perfeita... sinceramente!

Quanto à crítica... teria de surgir algum dia. O alvoroço emocional que o filme me provocou apenas permitiu que fosse espalhando pequenas partículas do que senti (e sinto) por esta Obra Imensa. Nunca hei-de conseguir exprimir devidamente por palavras o que sinto pelo que amo, mas urge sempre a necessidade de afagar esses amores com sentenças que lavro com penadas da Alma.

9:48 da manhã  
Blogger Carlos Pereira said...

Odisseia de sentidos!

2:02 da tarde  
Blogger Silvia said...

Continuas a deixar-me assoberbada de um sentimento inexplicável quando te debruças sobre filmes que realmente tocam.
Espero que não te importes, mas eu na minha ineficácia a traduzir o que o The Fountain provocou em mim, remeti o pouco que eu escrevi com um link para o muito que tu expressaste, que de certa forma é aquilo que eu gostaria de ter passado com as minhas próprias palavras ou imagens.

E sim, não imagino ninguém a conseguir fazer aquilo que Jackman fez nesta interpretação.

3:25 da tarde  
Blogger Cristiano Dias said...

Vi e só passado algum tempo, após deixar a poeira acalmar, é que tomei consciencia que este terá sido um dos filmes mais fantásticos que já vi, dos mais completos. A confusão e o embaraço que nos causa os primeiros 15 minutos de filme, não nos tira a beleza que ele ganha a partir do momento em que descobrimos que afinal tudo faz sentido, mas tudo... nenhuma cena é feita sem ter um simbolismo. Talvez essa seja uma das palavras chave... este filme está cheio de simbolismos... desde o toque do ser na natureza, até à saliva que flutua de uma boca em confronto com a outra....

Mais do que qualquer outro, este filme tem imagens incríveis... imagens que nos pregam ao lugar e só pedimos que não acabe agora...com todas as nossas forças! A sensualidade das cores é algo que origina um orgasmo intelectual de beleza... uma simbiose do paraíso com a eternidade! O desenvolvimento das várias imagens acompanhado de uma história feita de toques, suspiros, olhares, e de poucas palavras, culmina em algo difícil de digerir... Ao longo do filme temos de vê-lo como se estivessemos a desatar uma corda que tem nós muito dificeis de tirar... um processo complicado que origina desistências...não é fácil de entender...

Após 90 minutos intensos, onde pensas que passaram imensas horas, o filme acaba e ficas a olhar para a tela... estupefacto... no mínimo por ter visto algo diferente, algo de extraordinário... algo que me vai marcar, é um filme sem comparação com qualquer outro único.



Por fim, tiras os olhos da tela, olhas e pensas. 'Como pode estar esta sala quase vazia? Como é possivel não gostar de um filme destes?'... Olhas para quem lá está... a reacção pode ser diversa, mas não te apercebes, porque só queres pensar nos elementos que te escaparam ao longo do filme... pois, a sua apreciação vai muito para além da sua duração...

'Sem dúvida... não é um filme para todos.'

Bom...desculpa se exagerei... mas foi aqui que ouvi falar neste filme, por um post teu... E aqui fica a minha reacçao depois de o ter visto... é um filme incompreendido..

Abraço

3:58 da tarde  
Blogger Carlos M. Reis said...

A interpretação de Jackman é magistral, perfeita, soberba. Arrisco mesmo a dizer, insuperável.

E Francisco, ainda hoje, que decidi dizer qualquer coisa sobre o filme, não tive forças nem capacidades para o fazer. Fizeste tu e muitos outros por mim. E eu agradeço-te, porque para amar o que se escreve sobre Cinema em Portugal, é preciso mesmo dar uma voltinha nos blogues, pois nos jornais, "The Fountain" e tantas outras obras fenomenais são corridas a bolas pretas.

Obrigado Francisco. És enorme.

4:34 da tarde  
Blogger Cu de Barbas said...

Se o universo fosse um filme,seria este?
A ver com atenção.

7:17 da tarde  
Blogger PL said...

O melhor filme que vi desde o "Eternal Sunshine of the Spotless Mind" e o "Lost in Translation". Excelente crítica.

1:16 da manhã  
Blogger Gonçalo Trindade said...

Um filme perfeito. A fotografia, a banda-sonora... tudo vai na mesma direcção, todos os aspectos do filme trabalham em conjunto, em perfeita harmonia. Nesse sentido, lembra-me muito o igualmente grandioso "Oldboy" (de facto, tanto Aronofsky e Chan-Wook têm um estilo algo expressionista).
Aronofsky contruíu uma obra verdadeiramente única.

Eu bem queria fazer uma crítica no meu espaço, mas simplesmente não consigo. O filme é demasiado arrebatador... demasiado grandioso.

Muito sinceramente, até tenho medo de saber o que é que este homem vai fazer a seguir. Primeiro "Pi" (um belo filme), depois "Requiem for a Dream" (simplesmente magnífico), e depois "The Fountain" (obra-magna)... Aronofsky é simplesmente um dos grandes visionários que o cinema tem actualmente.

Excelente crítica, Francisco.

2:25 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Carlos Pereira: Deveras!

Against: As minhas expectativas eram elevadíssimas, mas foram amplamente superadas.

Cristiano Dias: Não tens que pedir desculpa pela extensão do comentário. É magnífico!

Knoxville: Abraço Matateh!

R.I.P.per: Excelente comentário!

Cristvs: Obrigado.
Bem-vindo!

Gonçalo Trindade: Aronofsky é imenso!
Que pena passar despercebido para muito público do seu tempo.

8:52 da manhã  
Blogger Cataclismo Cerebral said...

O filme desperta-me muito o interesse, ainda por cima sendo realizado pelo Darren, que assinou a obra prima Requiem for a Dream.

Abraço

6:47 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Imperdível.

Abraço!

9:43 da manhã  
Blogger SACANITAS said...

a trilha sonora tambem eh maravilhosa. me deixa com um no na garganta de tao linda. triste e bela... :)
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beijao

5:21 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Sem dúvida maravilhosa... arrebatadora!

9:26 da manhã  
Blogger Unknown said...

Essa obra, mais do que todas as outras, desperta imenso turbilhão de sentimentos e emoções dos mais particulares e variados, sem, no entanto, ser totalmente desvendada ou compreendida devido a tamanha complexidade. Tantas são as faces no prisma dessa história que podem ser comparadas a milhares de fios que se entrelaçam formando o mais belo dos tecidos, o mais fino dos bordados, resultanto num conto de tremenda sensibilidade e subjetividade... Assistir o filme foi uma experiência sem igual. Poder sentir sair da tela a sensação de amor eterno e verdadeiro...e tocá-la com as mãos... A emoção foi indescritível. Sem dúvida o mais belo filme já produzido e o único que marcou minha vida com tanta intensidade.

5:39 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Tua última frase reflecte aquilo que sinto por esta Obra: «Sem dúvida o mais belo filme já produzido e o único que marcou minha vida com tanta intensidade». Nem mais, cara Brisa... nem mais.

9:39 da manhã  
Blogger Mari said...

Vocês falam inglês? O Darren tem myspace e ele é realmente especial!

http://www.myspace.com/darrenaronofsky

Vale a pena checar e tenho certeza de que ele adoraria saber o que vocês escreveram aqui. Deve ser muito difícil se dedicar tanto a um projeto e vê-lo tão mal compreendido, principalmente pela mídia. E ele valoriza muito a opinião dos fãs.

Aqui tem uma entrevista dele muito legal, onde ele fala bastante sobre tudo no filme.
São vários videos pra assistir no próprio site.

Dip Into 'The Fountain'

http://www.mtv.com/overdrive/?id=1546148&vid=120676

11:04 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Sim, já conhecia o seu MySpace.

Vale sempre a pena pesquisar sobre os filmes pelos quais nos enamoramos.

8:55 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Eu até escreveria algo mais substancial mas a minha mente não pensa nada além de The Fountain e os meus dedos tremem por esses pensamentos...

Excelente critica!

2:39 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

É uma obra arrepiante que nos deixa embargados e embriagados de Amor.

2:57 da tarde  
Blogger manel said...

Entrei no teu blog por mero acaso, vinha "roubar-te" o cartaz do "The Lif Aquatic". No entanto não resisti à tentação de vir ler a tua crítica sobre este filme. Achei-o excelente, sobretudo porque, apesar de ter tirado uma interpretação pessoal do filme, a tua crítica foca truques e técnicas cinematográficas que nunca tive o cuidado de reparar por não ter muitos conhecimentos técnicos sobre o assunto (Presumo, pelo que li na crítica, que devas ser batido nisto e que estejas à vontade com este tipo de abordagem). Achei o filme estéticamente perfeito, mas tudo neste filme o é. Os actores, o argumento, a banda sonora, etc.
Quando penso começar a descrever o filme não consigo, fico mudo. Até ter visto este filme (e confesso aqui e agora ter já visto um número relativamente grande de filmes), nunca tive um filme preferido nem achava isso possível por haverem bastantes filmes muitos bons. Mas este... Não há palavras. Se bem que ,no limite, estaremos sempre condicionados pela nossa vivência, experiências e por tudo aquilo que nos "toca".
Enfim.

6:07 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

O filme da minha Vida.

6:02 da tarde  
Blogger Um Peixe que pensa said...

Sua voz

Seu assobiar toca meus ouvidos
Chego a me assustar, mas é vc meu amor
Me arrepio pelo seu toque
Um toque profundo, suntuoso.

De repente, vc me chama para o seu lado
Vc não assobia mais, diz o meu nome.
Livremente a gente se completa.
Não há mais tempo.
As dimensões se misturam
E vc não esta mais do meu lado

Agora só escuto um murmuro longe, longe.
Parece alguém que perdi
Nada mais é agudo.
Só me parece um gordo melancólico amargo.
Ate escutei um rosnar
Fui um leão perdido que passou por mim
Girando pelo mesmo espaço vazio sem dimensões
Que eu me encontrava.

Queria seu grito estridente soprando novamente.
Sentir a força desbravadora da sua maldade.
Da sua crueldade em me falar, amor.
Soar a sua nota mais simbólica.
Sua nota mais intensa, mais mortal.
Vc me despedaçaria em prazer.
Sublime e espirituosa minha alma
Só não alcançaria a Deus.

Mas eu já descobri.
Belamente eu percebi.
Não é o espaço
Não é o tempo
Não é nem mesmo a vida
Sou eu querendo estupidamente ser.
É minha estúpida vontade.
A minha vida de rodapé
Um pedaço de lembrança maldita

Mas eu não preciso mais disso
E meu sorriso brilha em Galáxias de aceitação, compreensão.
Só sua voz me acolhe e me sustenta agora.
Não a mais necessidades.
Nenhuma inútil enganação.
Só existe a exaltação
Um estridente fluido avassalador
Correndo e sustentando meu corpo.
Assobiando em meus ouvidos
Sua voz

Vinicius Alves


Cara tópico excelente. Maravilhosa explanação.

1:45 da manhã  

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