segunda-feira, julho 23, 2007

"Death Proof", de Quentin Tarantino

Class.:



Ponto Morto

Death Proof” é a segunda parte do projecto “Grindhouse”, que apresentava “Planet Terror” de Robert Rodriguez na primeira parte. O projecto pretendia reviver as sessões duplas onde vigoravam os Exploitation-Movies de qualidade duvidosa, mas falhou redondamente no box-office americano, pois apesar da fanfarra de possibilidades, o público não conseguiu assimilar o conceito proposto, gerando atitudes tão caricatas como o abandono da sala no final do primeiro segmento, ignorando que iriam ser projectados dois filmes em separado. Os produtores decidiram então separar os segmentos e o filme de Quentin Tarantino foi distribuído na Europa em formato alargado. A ideia para desenvolver “Death Proof” surgiu quando Tarantino falava com um amigo sobre a aquisição de um carro. Ele desejava adquirir um Volvo, porque não queria morrer num acidente de carro, como aquele de “Pulp Fiction”. Então, no que diz respeito a segurança, seu amigo contou-lhe que poderia colocar qualquer bólide nas mãos de uma equipa de duplos, que por um punhado de dólares o transformariam à prova de morte. A expressão “Death Proof” fixou-se então em Tarantino.

Existe uma linha temática bem densa pela filmografia de Quentin Tarantino, mas “Death Proof” torna-a demasiado delgada. Não se perde o fio à respectiva meada, mas a exposição da brilhante tapeçaria que Tarantino tem para oferecer à Sétima Arte, encontra-se aqui tingida com algumas nódoas. A abordagem não é má, mas a sua execução é intermitente, caindo por vezes num precipício de forma e conteúdo. É certo que “Death Proof” é uma brincadeira com os filhos bastardos do submundo do Cinema, mas encontram-se referências em demasia ao que o próprio Tarantino já realizou, para não falar do seu cameo desnecessariamente longo. Já todos percebemos que é podófilo. Com grandes planos de pés, lambidelas e referências a massagens dos ditos cujos, já todos assimilamos a sua tara por pés. Mas esfregar continuamente o Grande Ecrã com estas situações, chega a ser tão enjoativo como o cheiro de chulé. Marcam igualmente presença as suas marcas (hamburgers Big Kahuna, por exemplo), melodias familiares em toques de telemóvel, a música "Misirlou" visível num relance da jukebox, o xerife e o filho nº 1, os Acuna Boys, as Vipers, texturas amarelas com riscas pretas e montes de diálogo mundano sobre praticamente tudo o que preenche a superfície terrestre. E é aqui que se começa a notar o fraquejar do melhor que o cineasta pode ofertar, mesmo inserido no tributo a um Cinema de fetichismo. Exceptuando breves exemplos, a maioria dos diálogos é de uma irrelevância pop atroz. As conversas tornam-se insípidas e não sustentam a relevância da penada de “Reservoir Dogs”, “Pulp Fiction” ou “Kill Bill”. Não existe um sentido de progressão apurado e as personagens femininas (descaradamente na primeira parte) são marionetas que abrem a boca para expelir frases de Tarantino. Meros chavões de moçoilas vãs, sem ponta de terreno fértil para desabrochar um palpável sentido de autenticidade.



Não existe durabilidade na profundidade que a exposição por vezes sustenta, todavia, quando se ultrapassam estes problemas de engrenagem, “Death Proof” dispara numa velocidade de ponta. Se é certo que Tarantino não se supera a si próprio, também não deixa de ser verdade que consegue capturar parte da essência dos filmes que deseja emular. Na estética central, o autor consegue cobrir um considerável raio de homenagens, desde valores de produção, caracterizações e relances temáticos. É na construção potente e explosiva da personagem central, que Kurt Russell permite Tarantino explanar toda a sua magia. Com uma cicatriz que atravessa o seu olho esquerdo, o mesmo que se encontrava tapado em “Escape from New York” de John Carpenter, Russell é absolutamente irrepreensível na sua interpretação. Com as suas Obras-Primas da década de 90, Tarantino colheu inspiração de filmes da década de 70 para apresentar vívidas, densas, apaixonantes e profundas observações. Contudo, existe uma forte diferença entre dar à audiência o que eles desejam e dar-lhes o que se deseja que eles desejem. Durante a maioria de “Death Proof”, Tarantino limita-se a copiar as inspirações, numa reciclagem banal. Os fãs inveterados e os espectadores que desconhecem os filmes que o cineasta aproveita, irão aproveitar bem melhor a viagem. Quem estiver familiarizado com os mesmos (ou parte deles), irá sentir o resfriar do ardor das reflexões pluralistas a que Tarantino nos habituou com suas homages. Mesmo assim, quando o homem entra em máxima rotação, segurem-se, pois o condutor Tarantino guia-nos pelas curvas e contracurvas de toda a sua destreza cinéfila. Quando deixa de parte as imitações corriqueiras, surgem referências com um elevado nível de perspicácia, como a cena do hospital, na qual o xerife se refere a Stuntman Mike como Frankenstein, aludindo ao filme “Death Race 2000”, no qual David Carradine desempenha um piloto (Frankenstein) que participa em corridas com o intuito de atropelar peões e somar o maior número de pontos.

Quando desponta o seu apurado sentido cool, o humor destorcido e a polpa do seu gore, entramos no verdadeiro reino Tarantinesco. A coreografia da perseguição final é exímia na criação de um sentido de antecipação e expectativa. A estocada final da personagem desempenhada por Rosario Dawson (Abernathy) é um magnífico apogeu de farra. E a banda sonora, como em qualquer filme de Tarantino, é um autêntico evento. Existe um seguimento conceptual em músicas que dispensavam perfeitamente um acompanhamento visual, mas que sob o jugo de Tarantino se tornam autênticos ícones. Se é certo que me diverti bastante (principalmente na segunda metade) com a folia de Quentin Tarantino, o meu desejo é que termine o recreio e volte depressa ao trabalho, arregaçando as mangas de cinéfilo para desconstruir géneros com a paixão que nos habituou, pegando em materiais existentes e elevando-os acima de níveis racionais. O seu engenho reside na forma como se apodera de elementos vulgares de filmes de baú, subvertendo-os em gloriosas composições. Ele domina a Arte do entretenimento com entusiasmo nostálgico e violência arrojada que o seu ângulo artístico torna vibrantemente humorística. Mas será que algum dia, Quentin Tarantino irá utilizar todo o seu enorme talento na edificação de uma obra completamente original? Ou será que “apenas” deseja ficar imortalizado como o autor das melhores homages de sempre?

8 Comments:

Blogger Cataclismo Cerebral said...

Pelo que me tenho apercebido, este é um daqueles filmes que ou se ama, ou se odeia. A tua crítica é um dos poucos exemplos que se fica pelo meio termo...Penso que para mim poderá ser fita de culto, mas tenho que ir imediatamente ao cinema para dissipar todas as dúvidas :)

Abraço

5:28 da tarde  
Blogger C. said...

Ou será que “apenas” deseja ficar imortalizado como o autor das melhores homages de sempre?

Exactly my thoughts... apesar de adorar o estilo-Tarantino, estou à espera de uma grande obra, depois deste divertimento que foi 'Death Proof'.

5:38 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Oh, eu acho que a originalidade existe claramente na sua obra, e presente nas suas 'homages'. Não quero exagerar, mas é um pouco como os primeiros filmes-pilar da Nouvelle Vague. Constantes citações... constantes remissões para um cinema que não nasceu hoje.

De qualquer forma, também não me parece que a diversão de Death Proof seja algo ao nível de Kill Bill, sequer dos outros filmes anteriores. E a segunda parte "ganha" à primeira de longe, sendo a separação entre as duas é ainda mais esmagadora pela diferente qualidade da acção.

Mas independentemente disso, o filme divertiu-me tanto que não posso dizer que me tenha desapontado. Não sei se é por ser Verão ;) Só é pena que não tivessemos podido ver os "anúncios"...

11:11 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Cataclismo: É absolutamente imperdível.

Abraço!

Wasted: Que venha de lá o "Inglorius Bastards", que já se tornou culto antes de entrar em produção.

Helena: Isso de mesclar o termo originalidade com homages daria uma bela e longa tertúlia. :)

E sim... senti muito a falta dos fake trailers. Desejo muito ver aquele realizado pelo Edgar Wright.

9:12 da manhã  
Blogger Cataclismo Cerebral said...

Acabei de ver o filme e é razoável. Não tem aquele golpe de asa de Tarantino, mas entretém bem. Achei as interpretações competentes e os diálogos deliciosos, mas em grande número. É um filme escapista e modesto, mas uma desilusão vindo de quem vem...

Abraço

6:55 da tarde  
Blogger Francisco Mendes said...

Tarantino em modo silly season... valha a diversão!

Abraço!

9:20 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

eu ADOREI! :D

10:57 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

Entendo perfeitamente. É diversão a rodos :)

9:42 da manhã  

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